terça-feira, 30 de outubro de 2007

Odisséia

Maravilhoso na Odisséia – Roteiro da palestra

Considerações Iniciais:

Literatura clássica – Classicismo – Antigüidade Clássica greco-latina – dos tempos homéricos ao cristianismo. – Regras de Aristóteles e Horácio.

Características:

- Valorização do mundo e da vida; não do além

- Racionalismo; não sentimentalismo

- Deus mora no Monte Olimpo; não no Infinito

- Belo é o corpo; não necessariamente a alma

- Apreço pelo nu na arte; a figura humana não deve ser ocultada

- O homem não nasceu depravado; ele constrói seu destino

- Desejam-se glória e fama na terra; não no céu

- O homem arca com suas decisões. Não existe pecado

- A poesia é quase uma religião

- Os deuses pagãos são usados como figuras literárias e alegorias

O que é epopéia

-Um poema heróico que tem como protagonista um ou vários personagens, caracterizados por suas ações heróicas, enfrentando obstáculos sobrenaturais.

-Celebra os feitos mais representativos de um povo ou de uma nação

-Eterniza lendas seculares e tradições ancestrais preservadas até então pela oralidade.

Partes de Epopéia:

Proposição/Invocação/Dedicatória/NarraçãoEpílogo

A epopéia já existia na Mesopotâmia e na Índia

Os exemplos mais antigos:

Na Mesopotâmia (Ásia): 4o. ou 3o. milênios a.C.

- o Enumaelish – poema da criação

- o Gilgamesh – narra o encontro do herói Gilgamesh com Utnapisshtim, único ser humano a quem estava reservada a eternidade.

Na Índia:

- o Mahabarata (de interesse filosófico e social) poeta hindu Vyasa;

- o Ramayana, de Valmiki – a vida de Rama, rei de Ayudhya.

Têm em comum: o caráter espontâneo, popular e coletivo; constituiam o modo como as lendas eram transmitidas; eram uma contação de histórias

Cristalizou-se como gênero na Grécia

Os paradigmas do gênero:

A Ilíada – as aventuras de Aquiles durante a guerra de Tróia

A Odisséia – as desventuras de Ulisses, com a perseguição e a ajuda dos deuses do Olimpo, no seu percurso de volta da guerra de Tróia para Ítaca, onde era rei.

Valores destacados/temas: o espírito de nobreza; a amizade, o respeito à família e as tradições pátrias. Generosidade; astúcia da mulher (Afrodite/Zeus), o sonho como canal.

A epopéia tem seguidores:

Virgílio - Eneida –iniciada em 29 a.C., inconclusa após dez anos, quando Virgilio morreu.

Desenvolve-se na Idade Média (sobretudo nos países eslavos e na Alemanha).

Ariosto – Itália –1532 – Romance de cavalaria – Orlando Furioso

Tasso – Itália – 1575 – Jerusalém libertada

Dante Alighieri – A divina comédia – poema medieval

Milton – Inglaterra – Paraíso perdido

Alonso de Ercilla – Espanha – 1569 – La Aroucana

Luiz Vaz de Camões – 1572 - Portugal – Os Lusíadas

Santa Rita Durão – Séc XIX - O Caramuru

Gonçalves de Magalhães - A confederação dos Tamoios

- Evoluiu para o romance, que surge no Séc XIX com Walter Scott

Quem foi Homero/ a autoria – “Questão homérica”

-Segundo o historiador grego Heródoto, Homero nasceu em torno de 850 a.C. em algum lugar da Jônia, antigo distrito grego na Costa Ocidental da Anatólia, onde hoje é a parte asiática da Turquia.

-Há a lenda, não comprovada de que era um poeta cego

-Sua morte: provavelmente em uma das ilhas Cíclades.

Controvérsias:

No Séc.XVIII muitos desconfiaram da existência de Homero e de que ele havia escrito as duas epopéias por que:

-diferença de tom e estilo entre a Ilíada e a Odisséia

-As duas seriam recomposição de poemas anteriores ou

-teriam sido criadas por autores diferentes.

Concordâncias:

-A Ilíada foi escrita antes da Odisséia

-Época: provavelmente Séc. VIII a.C. (cerca de 3 séculos após os fatos narrados)

-Os originais eram no dialeto jônio, com numerosos elementos eólios.

-As técnicas empregadas atestam que pertenciam à tradição oral.

-Não se sabe se o autor empregou a escrita.

-A versão escrita foi feita em Atenas, no Séc. VI a.C.

(a divisão em 24 cantos corresponderia aos eruditos alexandrinos no período helenístico)

(Período helenístico: período histórico que se iniciou pela conquista do oriente por Alexandre e terminou quando a Grécia foi conquistada pelos romanos).

Causas das controvérsias:

-As duas apresentam inconsistências internas, como referências a técnicas e equipamentos de combate que existiram em épocas diferentes.

Explicação:

-O poeta poderia ter utilizado materiais anteriores; alguns outros foram incorporados.

O que faz crer que são de Homero:

-a estrutura dada aos temas tradicionais e a integração em sua visão pessoal da realidade enfocada.

Os que não acreditam ser ambas dele, alegam:

-A Ilíada: Tom mais heróico e tradicional

- A Odisséia: ironia e imaginação

Autoria única: baseia-se na afirmação de Aristóteles:

- A Ilíada seria uma obra da juventude

- A Odisséia teria sido composta na velhice.

Características comuns, inovadoras: antropomorfização dos deuses e confrontação entre os ideais heróicos e as fraquezas humanas; oferece um reflexo integrador dos ideais e valores da emergente sociedade helênica.

A Ilíada – História da guerra de Tróia. Herói: Aquiles, filho da deusa Tétis; luta e mata seu rival Heitor – príncipe troiano. O maravilhoso pagão intervém constantemente nas ações, fazendo os personagens amar, odiar, sofrer, tal como o ser humano. XXIV cantos.

A Odisséia - ( Séc VIII a.C.) quando os gregos adotaram o alfabeto fenício.

O título provém do nome do protagonista: o grego Odisseu – Ulisses para os romanos

Ulisses – filho único de Laerte e Anticléia; rei de Ítaca; marido de Penélope; pai de Telêmaco. Após 2 anos de casado vai para Tróia. Aparece na Ilíada como um homem perspicaz, bom conselheiro e bravo guerreiro.

-24 livros em versos hexâmetros (6 sílabas)

-A ação se inicia dez anos após a guerra de Tróia

-Narrativa em ordem inversa: tem início pelo desfecho – a assembléia dos deuses (Zeus e Atenas)

- Parte do relato é feito por Ulisses aos feácios (ilha Esquéria – hábeis marinheiros, que conduzem, finalmente, Ulisses à Ítaca), de forma indireta e retrospectiva

O que é o Maravilhoso – “Devemos estabelecer uma definição que não introduza essa noção de que o maravilhoso é o admirável porque é belo. O feio, o disforme, o terrível, também podem ser maravilhoso. Tudo o que é insólito é maravilhoso”. Alejo Carpentier (1987, p. 122)

Os heróis atingem o maravilhoso no termo de uma longa viagem; este maravilhoso, todavia, como é natural, não é a irrupção inexplicável do sobrenatural na natureza. A fantasia desenrola-se livremente. A narrativa fantástica, pelo contrário, gosta de nos apresentar, habitando o mundo real onde nos encontramos, homens como nós, postos de súbito em presença do inexplicável. A arte fantástica deve introduzir terrores imaginários no seio do mundo real. Louis Vax, (s/d p. 8,9)

A ODISSÉIA

Livro I –

Invocação à musa – Assembléia dos Deuses (só Posêidon está ausente) – Advertência de Atenas (Minerva), disfarçada de Mentor, rei dos Táfios, a Telêmaco para procurar o pai (1o. ele deve procurar Nestor, em Pilo e Menelau em Esparta para saber notícias do pai – Banquete dos pretendentes- Telêmaco reúne os pretendentes em praça pública e diz que vai procurar o pai.

Livro II –

Os pretendentes recusam-se a deixar o palácio de Ulisses e negam a embarcação pedida por Telêmaco. Atenas providencia um navio e a tripulação; Euricléia organiza os preparativos para a viagem. Telêmaco embarca junto com Mentor.

Livro III –

Telêmaco visita Nestor, que não sabe nada de seu pai;

Livro IV –

Telêmaco visita Menelau e se encanta com a riqueza dele. Helena e Menelau relembram as façanhas de Ulisses. Menelau conta que no Egito, ajudado por Idotéia, conversou com Proteu, que o revelou: O naufrágio de Ajax; o homicídio de Agamenon, que Ulisses continua vivo, refém da ninfa Calipso, em sua ilha. Os pretendentes armam uma cilada para o regresso de Telêmaco. Atenas manda um fantasma para confortar Penélope. (Ou a conforta através de sonho)

Livro V –

Em nova assembléia os deuses decidem pela volta de Ulisses. Mercúrio avisa Calipso sobre a ordem de Júpiter. Em 4 dias Ulisses constrói uma jangada e no 5o. dia deixa a ilha. Após 18 dias chaga à Ilha dos Feácios (Esquéria, Corfu, no mar jônico). Netuno provoca uma tempestade. Leucotéia (deusa marinha com poder de salvar os homens dos naufrágiso) dá um talismã (véu) a Ulisses, ele se salva graças ao talismã e a proteção de Atenas.

Livro VI –

Atenas convence Nausica, filha de Alcino, rei dos feácios, a ir ao lavadouro, acompanhada das criadas. A roupa é lavada, elas jogam bola e acordam Ulisses, que pede ajuda. Nausica dá roupas, comida e encaminha-o ao palácio de seu pai.

Livro VII –

Ulisses chaga ao palácio de Alcino coberto por uma nuvem protetora (proteção de Atenas). Alcino promete ajudá-lo. A rainha Areta reconhece as roupas e ele relata seus contratempos.

Livro VIII –

Alcino ordena que a embarcação seja preparada e oferece um banquete. Quando o aedo Demódoco canta os episódios de Tróia, Ulisses fica emocionado. Ulisses vence uma prova de atletismo. Recebe presente, se reconcilia com Euríalo. Alcino pede que Ulisses se identifique.

Livro IX –

Ulisses se identifica e narra suas amarguras:

1. à costa da Trácia, saqueia Ísmaro e embarca com o ataque dos Cicones.
2. No Cabo Maléia, ventos contrários fazem Ulisses aportar (após 9 dias de viagem), na região dos Lotófagos – comedores de planta que causa esquecimento.

3. Chega à Ilha, em frente à terra dos Ciclopes. Aporta no antro Monte Etna) do gigante Polifemo (Filho de Posseidon (Netuno) e da ninfaToosa), que devora 6 companheiros dele. Ele embriaga o gigante e fura seu olho. Foge com os sobreviventes.(Ninguém)

Livro X –

4. Chega à ilha de Éolo e o Guradião dos ventos lhe ensina o caminho de volta. (entrega os ventos contrários guradados num saco). Os tripulantes curiosos abrem e cai tempestade. Ulisses volta à ilha, mas Éolo não mais o ajuda
5. Aportam à região dos Lestrigiões (11 embarcações soçobram totalmente)

6. A embarcação de Ulisses chega à ilha Eéia, de Circe. Circe matamorfoseia em porcos 5 homens de Ulisses (que buscavam informações sobre o reino); Eurícolo volta para avisar. Ulisses, ajudado por Hermes recebe a promessa de Circe, que devolverá a forma humana a seus companheiros. Após um ano, ele pede para partir e Circe o informa que terá de se dirigir à morada de Hades para consultar o advinho tebano Tirésias, que lhe ensinará a evocar os mortos e voltar a sua pátria.

Livro XI –

7.Chega à terra dos Cimérios e, na entrada do mundo do mundo subterrâneo, ele degola as vítimas, colhe o sangue e o derrama em uma cova. Ele ouve as profecias de Tirésias sobre as tribulações que ainda passará. Ulisses fala com a mãe, que dá notícias de Ítaca.

-Conversa com Arete, Equeneu e Alcino, que o convencem a retardar a partida.

8.Conta a conversa que teve com Agamemnon, com Aquiles e Ajax.

Livro XII –

9.Circe prediz os perigos. Para se livrar da armadilha das sereias, Ulisses tampa os ouvidos dos tripulantes com cera de abelha e fica amarrado ao mastro.Desvia o estreito dos dois rochedos, mantém sua embarcação mais próxima de Cila, para evitar Caríbdis. Cila pega 6 dos seus bravos homens.

10.Chegam à Ilha do Sol (Hélio), onde fica ancorado um mês. Seus homens matam os rebanhos e são castigados por Zeus que manda uma tempestade e a nau é atingida por um relâmpago. Só Ulisses se salva, volta a Caríbds. Fica à deriva durante nove dias até que o vento sul o leva à Calipso.

Livro XIII – Ulisses se despede dos feácios e é levado à Ítaca. Netuno irrita-se com os feácios, porque ajudaram Ulisses e transforma a embarcação em rocha. Ulisses acorda na praia e não reconhece sua ilha. Atena aparece em forma de pastor, ele tenta passar por um fugitivo de Creta. Ela dissipa a nuvem e ele reconhece sua pátria. Ela aconselha-o a procurar Eumeu e transforma-o em mendigo.

Livro XIV – Eumeu recebe Ulisses, sem reconhecê-lo, dá-lhe comida e dormida e se queixa dos pretendentes de Penélope. Fala de sua fidelidade ao patrão. Os pastores imolam porcos para a refeição noturna dos pretendentes. Ulisses conta aventuras.

Livro XV – Atenas faz com que Telêmaco volte. Eumeu fala da vida solitária de Laertes e a morte da mãe dele (Ulisses). Conta como foi raptado e vendido em Ítaca, apesar de ter origem nobre. Telêmaco vai à cabana de Eumeu.

Livro XVI – Telêmaco chega à cabana de Eumeu e fica conversando com Ulisses enquanto o porqueiro vai avisar Penélope da chegada do filho. Atenas devolve o rosto de Ulisses e ele se revela ao filho e, juntos, tramam uma vingança contra os pretendentes.

Livro XVII – Telêmaco volta ao palácio e convence a mãe a receber o vidente Teoclimeno, que confirma a chegada de Ulisses. Ulisses vai com Eumeu ao palácio, encontra seu cão Argos moribundo, é insultado pelo cabreiro Melanto. Antino ridiculariza Ulisses e atira-lhe um banco, que atinge um serviçal. Ulisses adia a conversa com Penélope.

Livro XVIII – Ulisses luta com o mendigo Iro, prediz a volta do herói e as represálias que virão. Penélope fala de casamento e pede oferendas aos pretendentes. Ulisses é ultrajado pela criada Malêntia e pelo pretendente Eurímaco. Acalmam-se e vão embora.

Livro XIX –Ulisses manda Telêmaco esconder as armas. Vai conversar com Penélope, Euricléa lava os pés dele e o reconhece. Penélope conta um sonho em que Ulisses retorna. Combina uma disputa de arco entre os pretendentes.

Livro XX – Ulisses dorme no vestíbulo. Os pastores trazem os animais para a ceia; Telêmaco vai à Assembléia. O pastor Fitélio fala saudoso sobre Ulisses. Os pretendentes têm um presságio e desistem de matar Telêmaco. O vidente prediz as desgraças dos pretendentes.

Livro XXI – Penélope pega o arco e chama os pretendentes para a competição. De um a um eles vão desistindo. Ulisses revela-se a Eumeu e Filétio. Antino pede que adiem a competição. Ulisses pega o arco sob protestos. Euricléia fecha as portas do palácio e Filétio as do pátio. Ulisses dispara o arco.

XXII – Ulisses atinge Antino e se revela; Eurímaco pede perdão e fala em indenizá-lo. Telêmaco busca as armas separadas. Melântio trai e dá armas aos pretendentes e é preso. Atenas aparece sob a figura de Mentor. Todos os pretendentes e traidores são mortos.

Livro XIII – Euricléia acorda Penélope e conta que Ulisses voltou. Ele finge está dando uma festa no palácio para que ninguém desconfie do massacre. Penélope só o reconhece depois que ele revela um segredo deles. Falam dos males sofridos. Na manhã seguinte Ulisses visita o pai.

Livro XXIV – Hermes conduz a alma dos mortos a Hades e eles encontram Agamenon e Aquiles conversando. Ulisses se revela ao pai e aos seus moradores (Dólio e os filhos). Eupites (pai de Antino) incita os parentes das vítimas para uma vingança. Ulisses vai lutar para se defender, mas Atenas intervém e os reconcilia, restabelecendo a paz.

As Figuras mitológicas

Éolo – Deus dos ventos – controlava todos eles; tantos os maus como os ruins. 12 filhos.

Circe – Feiticeira. Algumas lendas dizem que ela teve 2 filhos com Ulisses – Telégono e Latino. Circe irmã de Etas, rei de Cólquida, em que Jasão e o Argonautas se apoderara do Velocino de ouro. Filhos de Hélio e Perse, filha do aceano.

Hera (Juno) – mulher de Zeus. Ciumenta e possessiva. Guardiã dos lares e dos casamentos.

Zeus – (Júpiter – Jove – Amontoador de nuvens) O deus mais importante da mitologia. Vivia no Olimpo e comandava toda a terra. A luz, os raios e o céu eram os seus símbolos.

Palas Atenas (Minerva) – Deusa da sabedoria e da inteligência. Nasceu da cabeça de Zeus. Guerreira, batalhava pelas causas justas.

Afrodite (Vênus) – Deusa da beleza, do amor e da fertilidade. Nasceu das espumas do mar. Foi levada pelos ventos para a ilha de Cítera e mais tarde para Creta, onde as Horas a enfeitaram e vestiram e a transportaram para a morada dos deuses.

Ninfas – não pertenciam ao grupo dos deuses principais; eram belas jovens que personificavam as flores, montanhas, lagos e fontes. Os deuses e os mortais adoravam namorá-las.

Poseidon (Netuno) – Deus dos mares, reinava sobre os oceanos e as tempestades – o mar foi um fator decisivo para o desenvolvimento da Grécia.

Hélio – deus do sol. (Apolo ou Febo) - Possuía raios luminosos em vez de cabelos e percorria o céu em seu carro de fogo, puxado por poderosos cavalos. Deus da poesia e da música, das artes e da medicina, da juventude e da beleza. Chefe das musas.

Ártemis (Diana) – Deusa da caça. Irmã gêmea de Hélio

Tântalo – (era rei da Líbia) - filho de Zeus e Plutão. Revelava os segredos do Olimpo e levava ambrosia aos mortais. Foi condenado a viver dentro d’água, cercado de fruteiras, sem poder beber nem comer.

Sísifo - Fundador da cidade de Corinto. Denunciou Zeus quando ele seqüestrou Egina. Foi jogado no inferno, condenado eternamente a carregar uma pedra montanha acima.

Górgona – eram 3 irmãs horrorosa:Euríale, Estenó e Medusa.

Medusa – tinha serpentes no lugar dos cabelos, e o seu olhar era tão terrível que transformava em pedra tudo o que olhava pra ela.

Destino – filho da noite. Estendia seus domínios sobre os homens e sobre os deuses. Nem Zeus podia contrariar o Destino, sob pena de romper a ordem do Universo. As Moiras Parcas), ajudantes de Destino, teciam, mediam e cortavam o fio da vida.

Aqueus – povo grego

Ágora – praça

Aedo – músico

Égide – Escudo de Zeus e de Atenas no qual estava pregada a cabeça de Medusa.

Mentes – rei dos Táfios – conselheiro, amigo de Ulisses.

Hermes (Mercúrio) – Cilênio- Mensageiro de Zeus. Protetor dos Vijantes. Usava umas sandálias de ouro que o fazia voar sobre a terra e o mar.

Aurora – deusa da manhã – encarregada de abrir as portas do oriente para a entrada do sol

Arauto – mensageiro

Calipso – ninfa de longas tranças. Vivia na ilha Ogígia, no mar mediterâneo. Cuidou de Ulisses e se apaixonou por ele.

Ares (Marte), Afrodite (Vênus) – viveram uma história de amor e foram surpreendidos por Hefesto (Vulcano), esposo de Afrodite.

Ílion – Tróia (Por isso a Ilíada)

Cronos – o tempo – Rei dos deuses, senhor do mundo. Casou-se com Rea. Devorava os filhos, pois sabia que um ia destroná-lo. De fato, Zeus, que escapou de ser devorado, o venceu.

Tirésias – Ficou cego por ter visto Atena nua. Para diminuir a pena, ela o fez profeta.

Hades (Plutão) e Perséfone (Proserpina) – Deuses do mundo subterrâneo, o reino dos mortos.

Perséfone (Cora) filha de Ceres (deusa da agricultura) foi raptada por Plutão (Hades) que a mergulhou no reino das trevas. Ela foi obrigada a passar 6 meses em terra (vegetação nova) e 6 meses na treva (colheita)

Cila – monstro horrendo, 12 pernas informes, 6 longos pescoços, 6 bocas dentuça tríplice – Era uma ninfa formosa. O deus marinho Glauco se apaixonou e, não sendo correspondido, ajudado por Circe transformou-a num monstro ao lado de Caríbdis.

Anfítrite – deusa do mar que ajuda os náufragos.

Clitemnestra e Egisto matam Agamenon – Orestes mata a mãe para vingar o pai.

O sangue é a conexão do mundo dos vivos com o dos mortos



Epenor pede que Ulisses o enterre – Se o morto não for sepultado, sua consciência será mantida. Só após o elemento purificador (o fogo) e o sepultamento, as almas são apaziguadas. O corpo não sepultado indica que a alma não está nem em um mundo nem em outro.

Ciclope – filho de Poseidon (olho redondo) gigante de um só olho.

A ILÍADA

Éris – deusa da discórdia

Páris-Alexandre – príncipe, pastor (abandonado criança no monte Ida)

Príamo – Rei de Ítaca. Esquece a prvisão do oráculo de que Páris tocaria fogo na cidade.

Heitor – príncipe troiana, casado com Andrômaca. Mata Patróclo.

Menécio – filho de Pátroclo.

Hércuba – junto com Helena oferece imolações a Atenas para que ela acabe com a guerra. A deusa se recusa.

Do lado dos troianos: Ares, Afrodite e Ares

Do lado dos gregos (aqueus): Atenas, Hera e Hermes

Comentários:

A mulher e seu poder

Homero como precursor do fluxo de consciência (Joyce/Ulisses) -

Por que os acontecimentos são Maravilhoso e não Fantásticos.



Bibliografia consultada:

HOMERO. A Ilíada. São Paulo: Mantin Claret, 2003

HOMERO. A Odisséia. São Paulo: Mantin Claret, 2003

LESKY. História da literatura grega. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995

OS MISTÉRIOS DE LYGIA FAGUNDES TELLES

Trabalho publicado no Fascículo VestLetras - Jornal O POVO, 1996

DADOS BIOGRÁFICOS

Lygia Fagundes Telles nasceu a 19 de abril de 1923, em São Paulo. Filha de um promotor público e de uma pianista amadora, teve uma infância andarilha pelo interior do estado natal, onde fez o curso primário. A sua paixão pelos mistérios deve vir dessa época, pois teve a sorte de conviver com uma pajem que adorava contar histórias de bruxas, fadas, assombrações, sacis, florestas encantadas e mulas-sem-cabeça, histórias essas que retinha na cabeça e, às vezes, nos cadernos. Ela própria passou, depois, a contá-las em público, com a intenção de transferir o medo que sentia ao ouvi-las.

Já na capital, cursou o ginásio, quando começou a escrever as suas primeiras histórias, e o curso normal, logo rompendo com os padrões da época ao entrar para a Faculdade de Educação Física e, depois, para a de Direito, por volta da década de 40.

A pedido da mãe pianista, Lygia recitava Casimiro de Abreu, Olavo Bilac e Guilherme de Almeida, mas foi lendo Edgar Allan Poe, Tolstoi, Virgínia Wolf, Kafka e Faulkner, que definiu a sua preferência pelo gênero de ficção.

Mesmo tendo vivido o Brasil do Estado Novo, quando a ditadura de Vargas censurava a imprensa e perseguia os estudantes, a escritora não se furtou do prazer de levar a lume a sua primeira obra __ Praia Viva (1944), a que se seguiria O Cacto vermelho (1949), ambos livros de contos. Apesar de nunca ter tido problemas com a censura, Lygia não deixava de participar de atos públicos, manifestos e abaixo-assinados em favor do livre exercício da profissão do escritor. Em 1954 ela lança o seu primeiro romance __ Ciranda de Pedra __, que, nos anos 80, foi transformado em novela pela Rede Globo.

Hoje, rígida com o artefato literário, Lygia fala dos seus dois primeiros livros como oriundos dos impulsos da adolescência. Dividindo-se entre o romance e o conto, ela vive ainda em São Paulo, aos 73 anos, em plena atividade de criação. A sua última obra, uma coletânea de contos intitulada com um verso do poema “Assovio” (do livro Viagem) de Cecília Meirelles __ A noite escura e mais eu __, foi publicada no ano passado (1995).



CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO

Tendo estreado na literatura no ano de 1944, Lygia Fagundes Telles situa-se, cronologicamente, na terceira fase do Modernismo brasileiro denominada “Geração de 45”, ao lado de Clarice Lispector, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, entre outros. Mesmo desligada de grupos, ela já trazia a marca da geração pós-guerra, empenhada que se mostrava no resgate do mundo interior do homem.

Com efeito, a prosa de 45, como a que se seguiria nos anos 50, apresentava tendências bem diferentes do Romance Regionalista de 30, (que configurou a segunda fase do Modernismo). A temática das relações sociais dessa segunda fase, enfocadas prioritariamente na região nordestina, foi substituída por narrações intimistas, cujo cerne era a reconstrução do ser humano, há pouco afetado pelos traumas da II Guerra Mundial.

Embora não se possa qualificar a ficção de Lygia Fagundes Telles como essencialmente intimista, é na efusão da prosa psicológica e introspectiva que ela surge e se fixa no meio literário como uma escritora urbana.

Mas ela não se limita a refletir a condição e a natureza humanas através de suas personagens, predominantemente femininas. Cria, também, em muitos dos seus contos, uma supra-realidade; ou seja, constrói um mundo misterioso, em que a lógica dos acontecimentos é somente admitida como extranatural. Lançadas esparsamente nos seus livros de contos, essas narrativas breves, consideradas em sua maioria como fantásticas, foram reunidas na obra Mistérios, que veio a lume em 1981.

Como o próprio título prenuncia, os 19 contos que compõem a coletânea têm os seus enredos conduzidos por uma fato misterioso, que subverte a realidade do mundo empírico.

DIFERENÇA ENTRE NARRATIVA DE MISTÉRIOS E NARRATIVA FANTÁSTICA

Fantástico é um gênero de ficção que se afirmou em meados do século XIX, com o advento do Romantismo. Diversos teóricos ( Roger Caillois, Louis Vax, Tzvetan Todorov, Irène Bessière, Filipe Furtado, Victor Bravo) se empenharam em sistematizar os seus cânones, enquadrando-o, de modo geral, como um tipo de narrativa cujo enredo traz um fenômeno que não pode ser explicado pelas leis da razão. Para que se conduza o efeito fantástico, não basta se ter um mistério, mas é necessário que o texto não traga sinais ou dados que possam intuir a compreensão racional dos fatos extraordinários que estão sendo encenados. Esses fatos só podem ser concebidos à luz do sobrenatural.

Já a narrativa de mistérios não tem que se submeter à condição da inexplicabilidade. Há um mistério que se interpõe como o motivo condutor do texto, mas as pistas que o decifrariam podem estar implícitas no discurso, possibilitando a sua revelação ou deixando pairar suspeitas consistentes. Tomemos como exemplo ilustrativo dois contos da obra Mistérios: “Noturno Amarelo” e “Venha ver o pôr-do-sol”.

No primeiro, a personagem Laura faz uma viagem ao passado, reencontra os familiares, numa fração de tempo que não consegue ser cronometrada. No seu retorno ao tempo presente, percebe que o horário é o mesmo em que estivera na casa da avó e que o seu companheiro não se deu conta da sua ausência. Chega-se a pensar que a transposição temporal da personagem foi apenas “psicológica”, mas, antes que essa justificativa se consolide, ela revela que mantém guardada na mão a pulseira que Eduarda lhe dera como nova aliança de amizade. Ora, Eduarda é uma personagem do plano do passado e foi durante o inusitado encontro que Laura teve com ela que a pulseira lhe foi ofertada. Se o objeto, dado no plano do passado, se mantém no poder de Laura, no seu retorno ao presente, temos a prova de que o impossível pôde se realizar, ou seja, a personagem fez realmente uma viagem ao passado e nada há que possa explicar a insólita façanha. Nesse caso, estamos diante de um texto fantástico.

Em “Venha ver o pôr-do-sol”, Ricardo convida a ex-namorada Raquel, então noiva de um rapaz rico, para ver o pôr-do-sol em um cemitério abandonado. Imbuído do intuito de vingança, por ter sido trocado por outro só por causa de dinheiro, ele a induz a entrar numa catacumba, fingindo-se consternado por ter enterrado os seus familiares queridos ali. Raquel se despoja da postura de superioridade e se sensibiliza com a história, mas, quando cai em si, percebe a armadilha: Ricardo a tranca na catacumba e foge, deixando-a aos gritos, certo de que ninguém a socorreria. O texto finda com os gritos desesperados da moça, interrompendo-se sem um desfecho definido. Deixa reinar o mistério da morte ou da sua sobrevivência da personagem. Apesar da incerteza dos fatos, concernente aos textos fantásticos, a narrativa não se insere no gênero, pois nada há de inexplicável; há, sim, muito de inusitado e macabro, pois não é comum um convite para fazer uma despedida num cemitério abandonado, de onde se pode ver “o pôr-do-sol mais lindo do mundo” (p. 204).

Como se observa, apenas em “Noturno amarelo” o gênero fantástico se afirma, o que nos induz à constatação de que nem todo mistério é fantástico, embora todo fantástico conduza um mistério.

Os contos que conduzem o fenômeno fantástico

Como acabamos de expor, nem todos os contos da coletânea são fantásticos, embora todos resguardem um mistério. Conheçamos, então, os que são considerados fantásticos e o fenômeno que cria tal efeito estético.

O efeito fantástico do conto “Emanuel” consiste na materialização de um homem que, durante todo o conto, existiu apenas no imaginário da personagem protagonista. Quando Afonso anuncia que Emanuel, o amante de olhos verdes, chegou para buscar Alice, todos são surpreendidos pois ela sabe que esse Emanuel não existe e, embora os amigos dela não tivessem certeza de que ela havia mentido, desconfiavam de que se tratasse apenas de um delírio, como de fato era. A chegada do tal amante subverte, pois, as leis da razão ao fazer irromper no real um ser fictício, produto da imaginação prodigiosa de uma mulher carente.

O fenômeno de “A caçada” está no encontro da personagem com o seu duplo, ou seja, com o seu outro eu soterrado pelo tempo. A narrativa transcorre em torno da sua obsessão em descobrir o motivo da intensa familiaridade que lhe insinua uma velha tapeçaria (com a cena de uma caçada) dependurada na parede de uma loja de antigüidades. Imagina ter sido o artesão que confeccionou a peça, o pintor que fez o quadro original, o caçador que tem o arco empunhado para a caça arquejante ou o companheiro que fica à espreita por detrás da árvore. Sem descobrir a identidade com a cena, o herói do conto se angustia e, na última visita ao local, vê-se, de repente, dentro do bosque. Ou seja, inexplicavelmente, o bosque da tapeçaria invade a loja e ele é transformado em caça, sendo logo atingido pela seta disparada do arco do caçador. Assim, descobre o seu duplo e termina ferido. Não se pode assegurar que ele morre, nem que espaço predomina no desfecho: se o chão do bosque ou o da loja. Tal indefinição visa a acentuar o efeito fantástico.

Em “O encontro” o tema também é o do duplo. Passeando pelo bosque, intrigada pela intimidade com a paisagem desconhecida, a personagem se encontra com uma moça que parece retirada de um álbum de fotografias bem antigo, haja vista o traje antiquado. Ao iniciar o diálogo, a personagem, inesperadamente, antecipa episódios da vida da moça e decifra a profunda tristeza que a acomete. Completamente desiludida, a moça antiga monta no seu cavalo. A protagonista, então, descobre o mistério: aquela moça fora ela em outra vida. Sabendo a atitude extrema que ela tomará, a personagem tenta impedi-la, mas não consegue. A moça se atira no despenhadeiro, deixando-a imersa no desespero dos impotentes, ao assistir o seu próprio suicídio em outra vida. Esse fenômeno poderia perfeitamente ser explicado pelo Espiritismo, mas, como o texto não faz nenhuma menção a crenças religiosas nem propicia pistas que justifiquem o fato ocorrido, o efeito fantástico se consolida.

“As formigas” é um conto que traz como protagonistas da ocorrência insólita os próprios insetos. Duas estudantes, uma de medicina e outra de direito, hospedam-se numa pensão barata, situada em um velho sobrado de aparência sinistra. No quarto, que na verdade é um sótão, descobrem uma caixa com os ossos de um anão, o que logo desperta o interesse da estudante de medicina, que se propõe montar o esqueleto oportunamente. Elas terminam fugindo atemorizadas do local, pois descobrem que pouco a pouco o esqueleto está sendo montado pelas formigas que, formando uma trilha espessa, aparecem repetidamente por volta da meia-noite. Como não conseguem descobrir de onde vêm os insetos, nem o que capacita a minúscula espécie a proceder tal operação, supõe-se a intervenção do sobrenatural.

Fábio Lucas, na sua análise sucinta dos contos da obra Mistérios, diz que o “Seminário dos ratos” encera uma fábula: “parte do referencial é o ‘milagre’ brasileiro, ou seja, a emergência da tecnoburocracia ilustrada e de seus filhos diletos: a censura, a repressão, as mordomias, o sigilo da administração etc.” O discurso do conto “Seminário dos ratos”, entretanto, não propicia dados que confirmem tal simbologia, e, segundo Todorov, para que haja alegoria (uma representação da realidade), é necessário que o texto traga referências explícitas aos fatos vinculados à realidade referencial. Assim, pode-se fazer a leitura fantástica do texto a partir da estranha invasão dos ratos à mansão onde se realiza o “VII Seminário dos roedores”. Que explicação racional pode haver para o poder que adquirem os mamíferos roedores, capacitados que se encontram de conduzir alimentos e objetos desproporcionais para os seus tamanhos? E para o poder de enfrentar um ser racional, de igual para igual e vencê-lo? Só a lógica extranatural pode conceber tais fatos como possíveis.

Em “Tigrela” e “Lua crescente em Amsterdã” o efeito fantástico se realiza na incerteza do acontecimento. Ambos supõem uma metamorfose, que só se evidencia nas entrelinhas. Em “Tigrela”, uma tigresa, criada num apartamento, convive com os seres humanos numa relação de igualdade. A sua companheira, Romana, cansada dos seus ciúmes, resolve induzi-la ao suicídio. Enquanto aguarda o desfecho, ela fica temerosa que descubram que quem se atirou do prédio foi uma jovem nua. Como o suicídio está programado para a meia-noite, a hora das transformações e dos festins das bruxas, fica patente a possibilidade de que o animal se transforme numa mulher, embora o discurso não afirme que o fato ocorre.

Já em “Lua crescente em Amsterdã”, um casal, desprovido de condição financeira para sobreviver em uma cidade estranha e sem mais afeto um pelo outro, apenas manifesta o desejo de se transformar em outra espécie (para sair da situação) e desaparece do cenário. Após o forte vento que assolou o jardim, no lugar em que eles se encontravam, aparecem o passarinho de penas azuis e a borboleta, exatamente as espécies escolhidas para a transformação. Note-se que, geralmente, esse tipo de fenômeno é sinalizado pela ventania ou pela tempestade __ o que aconteceu prontamente, implementando a possibilidade da metamorfose.

Em “Noturno amarelo”, como vimos há pouco, o fenômeno fantástico consiste numa viagem ao passado. Através da transposição temporal, a personagem reencontra os familiares em uma noite antiga e volta para o presente, trazendo um objeto que lhe fora dado pela prima durante a sua estada na casa da avó que, como sabemos, se situa no outro plano.

No “Natal na barca” é o fenômeno da ressurreição que subverte a lógica. Uma mulher (a narradora), após ouvir a triste história da companheira de viagem, percebe que o filho dela está morto sob o xale. Comovida, ela tenta fugir para não presenciar o desespero da mãe, mas é surpreendida pela declaração dela: “__ Acordou o dorminhoco!”. Para a mãe, acordou quem simplesmente dormia, mas para a mulher aconteceu uma inexplicável ressurreição. Por que consideramos o fenômeno da ressurreição? Porque a personagem não admite que se equivocou, nem atribui o fato a um milagre da noite de Natal. Queda perplexa, buscando explicações nas misteriosas águas do rio.

Já em “A estrela branca”, o motivo fantástico é a possessão. Um jovem, na iminência de cometer o suicídio, revoltado pela cegueira repentina, é impedido de cometer o ato por um médico que promete devolver-lhe a visão, apenas em troca do sucesso da cirurgia. Leva-o para conhecer o doador __ um velho mendigo moribundo, já na fase final. Após o transplante, o jovem percebe que não tem nenhum domínio sobre os olhos, pois eles não querem atender o seu desejo de olhar a estrela branca __ razão mística da sua existência. Além de desobedecer-lhe, os olhos se divertem às suas custas, como se se mantivessem presos ainda à vontade do asqueroso doador. Sem encontrar meio de libertar-se, o jovem decide, outra vez, cometer o suicídio para assassinar os monstruosos olhos, que, apavorados com a idéia da morte, passam, então, a obedecer a ele. Ora, um transplante de olhos, na lógica natural, não implica nenhuma ligação do doador com o receptor __ o que nos leva à compreensão do fato como um fenômeno transfigurador da realidade.

Em “A mão no Ombro” o enredo é também condutor de uma ocorrência fantástica, ou seja, de algo que transgride as leis racionais. Durante um sonho, um homem vê-se em um jardim fora do tempo e do espaço e se apavora com o pressentimento da morte que lhe parece chegar através de uma mão que quer tocar o seu ombro. Atordoado, ele resiste e acorda, fugindo, assim, de seu algoz. Em vigília ele se mantém impregnado com a idéia da morte próxima e faz um balanço da sua vida, comovendo-se com a frieza das relações familiares. Ao sair para o trabalho, ele se depara outra vez com o mesmo jardim, desta vez, não mais em sonho. E, para fugir da morte, arquiteta uma saída: se no sonho, ele escapou acordando; em vigília, haverá de escapar dormindo. Resolve dormir para devolver a realidade ao sonho e assim vencer a maldita morte que o persegue. O sonho, então, continua do ponto em que começou, mas, como a narrativa é finalizada, não se pode confirmar nem o mérito nem o fracasso da personagem.

Os contos que conduzem o mistério sem o efeito fantástico

Em “A presença” o mistério reside no comportamento obstinado de um jovem que insiste em permanecer num hotel reservado apenas para os mais velhos, como um hóspede completamente indesejado. Mesmo sabendo que a sua presença significa uma verdadeira agressão àqueles que, assolados pela decrepitude, se isolaram ali para esquecer o mundo, ele mantém uma postura imperiosa, a ostentar a beleza e a saúde da juventude, como se tivesse a intenção de ferir propositadamente os velhos. As advertências do porteiro insinuam claramente a possibilidade de um assassinato, visto que os velhos, agredidos e contrariados no seu espaço, seriam capazes de tudo para expulsá-lo. Por fim, a própria narrativa sugere o assassinato, ao relatar que, durante o jantar, o rapaz “achou um certo amargor na goiabada com queijo” e, após, “já não se sentia bem”. Supõe-se, pelas pistas dadas no relato, que os velhos decidiram realmente pela exclusão do intruso, sem ponderar os meios. Não esqueçamos que o narrador, tomando as palavras do porteiro, avisou ao jovem que eles (os velhos)

usariam de todos os recursos para que as regras do jogo fossem cumpridas: até onde poderia chegar o ódio por aquele que viera humilhá-los, irônico, provocativo, tumultuando a partida. (p. 219).

Mais uma vez fica-se sem saber se a morte realmente ocorreu. Se admitida essa possibilidade, o ódio dos velhos os colocaria como suspeitos de um crime, aproximando a narrativa do relato policial __ o que explicaria todo o mistério.

No conto “O jardim selvagem” há a estranheza da doença repentina da personagem Ed, logo seguida de um suicídio. O casamento dele com Daniela surpreende a toda a família, que só é comunicada da união depois de efetivada. Além disso, a mulher apresenta traços inquietantes como o fato de usar permanentemente uma luva na mão direita e de transformar a fisionomia quando fica com raiva:

__ Quando fica brava... A gente tem vontade até de entrar num buraco. O olho dela, o azul, muda de cor. (p. 55).

Outra atitude incomum é o assassinato frio do cachorro de estimação, sob a alegativa de que

a doença sem remédio era um desafino, o melhor era acabar com o instrumento para não tocar mais desafinado (p. 54).

O enigma que resguarda essa mulher, comparada pelo marido a um jardim selvagem, torna-a suspeita de um assassinato ou, pelo menos, de indução ao suicídio do marido. A atitude e a justificativa para o que fizera com o cachorro é uma pista incontestável: se Ed estava doente, sem cura, era comparado a um desafino e ela foi clara ao dizer que era melhor acabar com o instrumento a ouvir o som desafinado; ou seja, para ela, o fato de não querer conviver com a doença justificava a decisão pela morte. Observemos, porém, as astúcias do discurso para escamotear as suspeitas: Pombinha, a irmã de Ed, ao conhecê-la, considera-a um “amor de moça” (p. 53) e os próprios médicos elogiam a sua dedicação ao companheiro doente. Mas tais elogios funcionam, insistimos, como dados escamoteadores da atribuição da sua possível culpa. A mesma empregada, que relatou estarrecida o episódio da morte do cachorro e a explicação de Daniela, diz que o ato extremo dele foi “por causa da doença”, como a lançar discretamente uma suspeita. Esse conto, como o anterior, também se aproxima do relato policial.

Já a narrativa de “Venha ver o pôr-do-sol”, conforme comentamos há pouco, implementa o seu mistério com a indefinição das conseqüências do ato de Ricardo: Raquel morrera presa na catacumba? Haveria possibilidade de que ele se arrependesse e voltasse para salvá-la? Alguém poderia ouvi-la? O desfecho é uma interrogação que incrementa o teor macabro do enredo.

Em “O dedo”, é o insólito o motivo condutor da história. Catando conchas e seixos numa praia selvagem, uma moça encontra, entre as coisas que o mar atirou na areia, um dedo. Apesar de faltar-lhe a última falange, ela o identifica como feminino pela existência de um anel com uma bela esmeralda. A partir daí, ela começa a lançar hipóteses sobre quem seria a dona do dedo e conclui que seria, provavelmente, uma mulher rica e de meia-idade. Depois, questiona os motivos daquela morte no mar e deduz três possibilidades: ela teria naufragado com um elegante transatlântico, poderia ter sido vítima de crime passional ou simplesmente ter cometido o suicídio. Perseguida pela personalidade dupla, a personagem vê-se tentada pelo seu lado calculista a ficar com o anel. Mas, com medo de que a morta, a “dama do mar” como ela a denomina, o reclame, decide por obedecer ao seu lado emotivo e enterra o dedo na areia da praia.

No conto “O noivo” é a amnésia direcionada que constitui a estranheza do relato. Miguel é acordado pela criada, que avisa estar já na hora do seu casamento. Surpreso, ele demora a admitir que irá casar-se àquela manhã e, mesmo ao encontrar o fraque e a mala preparada para a viagem de lua-de-mel, não lembra ter assumido esse compromisso, nem com quem. Perturbado, ele testa a memória e constata a sua total lucidez, inquietando-se mais ainda por perceber que só não recorda o detalhe do casamento e quem é a noiva. Mostrando-se avesso à instituição do matrimônio, ele cita vários nomes de mulheres com quem se relacionou, para ver se descobre quem é a escolhida. Tarefa inútil; só quando chega à igreja, escoltado pelo seu melhor amigo, é que desvenda o mistério:

“Que estranho. Lembrei-me de tantas! Mas justamente nela eu não tinha pensado...” [...] Inclinou-se para beijá-la (p. 187).

Embora o protagonista desvende o mistério, não o revela ao leitor, que se mantém intrigado com o desfecho evasivo, pois o discurso não fornece nenhuma pista que possa esclarecer a identidade da noiva.

Em “O muro” e “Negra jogada amarela” o mistério está intrinsecamente ligado à infância. O velho de “O muro”, enquanto criança, era tão obsediado para ver o que existia no quintal do vizinho, misteriosamente escondido pelo muro que os pais não o deixavam transpor que, nos instantes finais da sua vida, resgata os momentos da infância só para poder conhecer o enigmático território. Enquanto conhece o outro lado do muro, passa serenamente para o outro lado da vida. O quintal do vizinho, com suas árvores frondosas, vai-se acoplando ao território do paraíso e se fundindo num só espaço, atapetado pelo verde das copas das árvores. Já em “Negra jogada amarela”, a personagem, ao descrever o jogo da amarelinha e Kalina, a amiga de infância, cria a metáfora da vida, que passa a ser entendida como um jogo para o qual se precisa ter fôlego e coragem.

Em “Um coração ardente” temos o tema do desencontro na percepção de um contraste: num mesmo prostíbulo, uma prostituta recusa-se a deixar a vida mundana para casar-se com um pretendente apaixonado por achar que o seu futuro está ali; outra se suicida por não acostumar-se àquela vida e não ter jamais encontrado quem desejasse tirá-la do triste ofício.

O DISCURSO DA INCERTEZA

É utilizando-se de uma linguagem simples e escorreita que Lygia Fagundes Telles costura os seus enredos, arquitetados na consciência da técnica do texto, que não funciona simplesmente como um instrumento de catarse, mas, antes, de testemunho vivo da sociedade contemporânea. Assim, o jovem e o velho, a mulher e o homem, a prostituta e a dama, a mulher reprimida e a liberada, como vimos, figuram na sua ficção como amostras das espécies humanas díspares que vivem os encontros e os desencontros do século XX. Como reconhecem os críticos que compuseram a obra Lygia Fagundes Telles - Literatura comentada, “a literatura da escritora não é uma literatura de evasão. É de mergulho e de reconhecimento nos outros e do próximo”(p.102).

Abordando sempre o conflito que resulta do relacionamento da personagem com o mundo, Lygia prima pela criação de obras, em que o destaque está nos seres fictícios e não na ação. Desse modo, cria, através de sugestões, uma escritura plasmada na incerteza; a essência fica resguardada nas entrelinhas.

Principalmente nos textos da obra Mistérios, ela sugere mais do que diz propriamente. Há uma supervalorização do envolvimento do leitor com a história. Confiramos alguns fragmentos em que este é levado a completar as declarações do narrador:

Um equívoco, é lógico: um amigo ia se casar e a roupa viera para ele, feito tonta Emília recebeu o pacote e pensou que. [“O noivo” (p.179)].

O mesmo discurso reticente se repete no conto “Tigrela”:

Crescera um pouco mais do que um gato, desses de pêlo fulvo e com listras tostadas, o olhar de ouro. Dois terços de tigre e um terço de mulher, foi se humanizando e agora.(p.93)

Além do hábito de deixar, muitas vezes, o discurso evasivo, Lygia investe na ambigüidade; ou seja, em algumas passagens deixa entrever interpretações dúbias. Em “A caçada”, por exemplo, quando a velha comenta a origem da tapeçaria, o homem diz “ __ Extraordinário” (p. 24), o que deixa a personagem e o leitor na dúvida se ele se refere à história relatada ou à estranha familiaridade que a tapeçaria lhe inspira. Mais na frente, na última visita que o protagonista faz à loja de antigüidades, a velha diz: “__ [...] Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho.” (p. 27), ao que ele responde ou pensa intrigado: “Conheço o caminho”, deixando a incerteza do referente: ele conhece o caminho que vai da porta da loja à parede em que está a tapeçaria? Ou o caminho imaginário que o conduz ao bosque da paisagem, no qual ele, inexplicavelmente, penetra? Não existem respostas.

O tema da morte tratado através da incerteza

A morte, um dos temas mais constantes nos seus contos, nem sempre é tratada através de certezas absolutas. Vejamos: em “A caçada”, o protagonista finda penetrando o bosque da tapeçaria e, transformado em caça, sendo atingido pela seta do caçador. Ele lança um grito de dor e rola encolhido no chão. Não se sabe, no entanto, se no chão do bosque ou da loja, como não se sabe se quem morre é o homem ou ele transformado em caça. Aliás, não se pode ter certeza nem se ele morre, pois a narrativa é interrompida no instante culminante.

Em “A mão no ombro”, quando a personagem, em vigília, se depara, outra vez, com o inusitado jardim, desta feita materializado à sua frente, procura dormir para escapar outra vez da morte, e recomeça o sonho do ponto em que o interrompeu, ou seja, do momento em que a mão vai tocar o seu ombro. Como o texto finda exatamente nesse instante, fica-se sem saber se o gesto corresponde realmente à chegada da morte, ou seja, se ele morre, e em que plano essa morte se efetiva: se no sonho ou na vigília.

Em “A estrela branca” a morte significa a salvação da personagem, que encontra nela a única forma de libertar-se do asqueroso mendigo que lhe doara os olhos, mas permanecera neles, impedindo-os de obedecer ao novo dono. Entretanto, o suicídio não se efetiva, pois, como a narrativa é contemporânea dos fatos, ou seja, é veiculada no tempo presente, o discurso termina na iminência do ato. Em “Venha ver o pôr-do-sol”, como em “A presença”, a morte é, também, apenas sugerida no desfecho.

Note-se, pois, que a interrupção do discurso no momento crucial faz parte do estilo de Lygia e visa a provocar a incerteza dos fatos, acentuando, assim, o mistério que se coloca como o fio condutor dos seus enredos.

A morte concretizada

Já em “O dedo”, “O jardim selvagem”, “O muro” e “Um coração ardente” a morte se afigura de formas diferentes: no primeiro, ela se afirma através de um dedo encontrado na areia da praia, levando a protagonista a oscilar entre devolvê-lo intacto ao mar ou apoderar-se da jóia. No segundo, a repentina morte da personagem Ed deixa pairar suspeitas sobre um possível assassinato (ou de indução ao suicídio), haja vista a estranheza do comportamento da sua esposa Daniela. A narrativa de “O muro”, transcorre no território que separa a vida da morte. Padecendo no leito do hospital, o velho, após recordar os momentos significativos da infância, transpõe o limite, aliviando-se do martírio da doença. Em “Um coração ardente”, a morte também se realiza e, neste caso, traz a simbologia do desencontro, um dos temas prediletos de Lygia Fagundes Telles.

Observe-se que a morte é somente tratada sob a égide da incerteza nos contos considerados fantásticos, o que funciona como um requisito para incrementar o mistério de um fenômeno sem explicação. Diferentemente, onde a morte aparece concretizada, nada há que o discurso não justifique.

A metamorfose, outro tema tratado através da incerteza

No conto “Emanuel”, como já tivemos oportunidade de comentar, um ser imaginário se transforma em um ser real, subvertendo a lógica do mundo empírico. A materialização desse ser dá-se no momento em que a frágil Alice aguarda a humilhação de ter a sua mentira desmascarada. A aparição do homem Emanuel, assim considerando, parece conduzir o intuito de redimir Alice da chacota dos amigos __ o que só poderia ser feito por alguém com quem ela tivesse uma forte relação afetiva. Como o único liame dessa natureza que ela possui é o gato, também chamado de Emanuel, de quem ela inclusive roubara características e detalhes para compor a inverdade do amante, supõe-se que a materialização do imaginário decorra da metamorfose do gato no homem. Suposição apenas, porque o discurso não explicita o fato, fornece apenas vagas pistas.

Em “Lua crescente em Amsterdã”, essa possibilidade parece mais consistente, mas também não há uma referência explícita à concretização do ato. Encontrando a metamorfose como a única saída para a situação de penúria em que se vêem, as personagens escolhem os bichos nos quais querem se transformar: ele, em um passarinho de penas azuis e ela, em uma borboleta. Tão logo manifestam o desejo, sopra um forte vento e a menina holandesa que aparecera no início do relato, reaparece procurando-os e não os encontra. Inexplicavelmente, o casal desaparece do cenário e, no lugar em que estavam __ no banco de pedra __ surgem as espécies aludidas, o que induz à sugestão de que a metamorfose se processou.

“Tigrela” já relata a estranha história de Romana, que convive com uma tigresa, num apartamento de um edifício altíssimo. O inusitado do fato já se inicia com a adulteração da espécie animal que possui “dois terços de tigre e um terço de mulher” (p. 93) e com a relação de trocas igualitárias: enquanto a Tigrela se humaniza, adquirindo peculiaridades femininas, Romana introjeta hábitos selvagens como comer cenoura crua, cheirar os alimentos e se olhar no espelho com olho de fenda. À medida em que a possessão da Tigrela aumenta, desgasta a relação e faz com que Romana deseje rompê-la. Ao contrário do que seria lógico, no entanto, a mulher não decide por devolver o animal ao zoológico, induz o seu suicídio ao sair de casa, provocar os seus ciúmes, deixar a porta da área aberta e encher a sua tigela de uísque. Aguarda o desfecho, tensa e ansiosa, na mesa de um café, onde relata o fato a uma amiga. Teme, no entanto, que a morte da Tigrela, deflagrada possivelmente à meia-noite, revele o que ela sempre tentara esconder: a capacidade que o animal tem de se transformar em uma mulher.

O suicídio da tigresa e a possível revelação, entretanto, não se efetivam, embora a sugestão da metamorfose esteja clara. Pode-se ainda supor, pelas atitudes ciumentas da Tigrela e pela incomum submissão de Romana, uma mulher independente e bem definida financeiramente, que o texto coloca nas entrelinhas uma relação homossexual. Como Lygia escreve perenemente sob o signo da incerteza, o discurso só propicia suposições, tecendo, assim, a originalidade do seu estilo.

AS PERSONAGENS

Como já assinalamos, as narrativas de Lygia Fagundes Telles não são de ação, mas de personagens __ o que, na verdade, contraria os requisitos da narrativa fantástica tradicional, onde o sujeito aparece em segundo plano para privilegiar o acontecimento.

Por nos vermos diante de seres fictícios que reproduzem a espécie humana do século vigente, acabamos por nos deparar com seres solitários, muitas vezes atingidos por conflitos existenciais, permanentemente à procura do seu eu, seja nas reminiscências da infância ou no encontro com o seu duplo, ou melhor, com o que fora na vida anterior. Em sua maioria são seres comuns, retirados do cotidiano (as duas estudantes de “As formigas, Laura do “Noturno amarelo”), com as suas patologias (o jovem de “A presença”), seus desejos de fuga (Miguel de “O noivo”) e, sobretudo, sua ânsia de viver (Alice de “Emanuel”, o executivo de “A mão no Ombro”). Há, ainda, uma galeria de seres fictícios que aparecem imbuídos de traços inquietantes, seja pela aparência decrépita ou misteriosa (a dona da pensão de “A caçada”, o velho doador de “A estrela branca”, a protagonista de “Natal na barca”), seja pela personalidade obsessiva (Ricardo de “Venha ver o pôr-do-sol”).

As personagens e o resgate da infância

O período da infância é bastante requisitado nos contos de Lygia. Tal recorrência constitui um traço de relevância na sua obra, atribuindo-lhe um valor especial no tocante ao conhecimento do universo humano. A propósito, Alfredo Bosi, chega inclusive a comentar que “é na evocação de cenas e estados de alma da infância e da adolescência que (ela) tem alcançado os seus mais belos efeitos” (p. 474).

O resgate da infância, especificamente nos contos ora analisados, quando não remete à carência afetiva da personagem, faz uma metáfora do jogo da vida ou cumpre uma função no momento em que a morte se aproxima. Alice, protagonista do conto “Emanuel”, por exemplo, é uma quarentona solteira e virgem, sem nenhum atrativo. É a sua evidente carência afetiva que a faz resgatar a figura do pai super-protetor, morto prematuramente, como para suprir a necessidade de uma presença masculina.

Em “Negra jogada amarela”, Vera, através de reminiscências da sua infância, cria uma metáfora do jogo da vida. Lembra a amiga Kalina, incisiva no jogo da Amarelinha e o mel quente do engenho da mãe. Kalina é o tempo com a sua irreversibilidade; o caldeirão borbulhante, as emoções; os quadrados da amarelinha, a vida com o seu céu, seu inferno e seu purgatório. Ela usa a simbologia dos verbos jogar e brincar para mostrar como se lança na paixão e se atira na vida, certa de que precisa de coragem, como quando se atirava “na trilha dos quadrados”(p.116), desenhada com carvão pela mão segura da amiga.

Em “O muro” e “A mão no ombro” é a iminência da morte que leva os dois protagonistas a buscarem os momentos significativos da infância, como a tecer o retrospecto da existência.

O velho de “O muro” vive os seus últimos momentos, lúcido, a encontrar alento nas lembranças dos tempos de menino:

Cerrou os olhos e olhou para dentro de si mesmo, ah se pudesse ficar até o fim fazendo girar devagarinho o caleidoscópio com as imagens do antigo quintal da sua casa ... (p. 129).

Reencontra, como que filtradas pela lente de um caleidoscópio, a imagem da mãe, do pai, do irmão, do avô, dos bichos de estimação e do muro que separava o quintal da sua casa do do vizinho. Já quase morrendo, ele retorna à infância e o transpõe. À medida em que se extasia olhando para o outro quintal, entrega-se à morte com uma sensação de deslumbramento no rosto.

A personagem do “A mão no ombro”, ao decodificar a insalubridade do inusitado jardim como um aviso da morte, recorre a imagens da infância para confirmar a simbologia fúnebre das imagens com as quais se depara: o caçador do quebra-cabeça que jogava com o pai, que está intuído na mão que quer tocar o seu ombro; a procissão de Sexta-Feira Santa, com a imagem do Cristo crucificado tecendo a sua desilusão (“O medo atrofiando a marcha dos pés tímidos atrás do Filho de Deus, o que nos espera se até Ele?!...”); a queda do trapezista do circo, deflagrando a sua morte na imobilidade do corpo.

Em “O noivo”, o protagonista recorre a detalhes da sua infância apenas para atestar que não perdera a memória. Sem recordar o compromisso do casamento naquela manhã nem quem seja a noiva, ele é levado para a igreja e, misteriosamente, só a reconhece na hora da cerimônia. A sua amnésia, no entanto, restringe-se ao episódio do casamento; todos os pormenores da sua vida, inclusive dos tempos de menino, são repassados lucidamente.

A busca do eu

Entre os mistérios que circundam o cosmo está a existência humana. A busca da identidade tem sido um dos conflitos do homem, principalmente do homem dos anos 40 que sofreu as destruições provocadas pela II Guerra. Testemunha dessa geração desalentada, Lygia insere nos seus temas o fenômeno do encontro com o duplo, que nada mais é que o nosso outro eu, escondido pelos séculos que nos antecederam. Os Românticos, imbuídos dessa busca, embora em outra perspectiva, utilizaram o tema em abundância, e, na verdade, ele nunca se desvinculou da literatura universal.

Tomemos como exemplo o conto “A caçada”, em que o narrador-personagem, depois de viver toda a angústia de não identificar o significado da tapeçaria que o obsediava, descobre ter feito parte daquela cena e que fora a caça, encontrando, assim, a sua identidade. A personagem de “O encontro”, através do mesmo fenômeno, descobre quem fora na vida anterior e como se deu o seu trágico fim.

A solidão

Outro traço marcante das personagens de Lygia é o estado de solidão. Alice, do conto “Emanuel”, é o mais cabal exemplo da solteirona solitária, que volta a aparecer, numa situação menos dramática, é claro, com a personagem Pombinha de “O jardim selvagem”. Romana (de “Tigrela”), separada já do quinto marido, é o protótipo da mulher irrealizada que tenta, em última instância, uma relação supostamente homossexual, que também acaba por não satisfazê-la. A insatisfação é, em outra perspectiva, o impulso para o suicídio da jovem prostituta de “Um coração ardente”, como a mostrar que a solidão não é apenas física. A protagonista de “Natal na barca”, por sua vez, demonstra-se uma “pessoa” extremamente inquietante, ao revelar que se sente bem na solidão; estranhamente, ela passa a noite de Natal, transpondo um rio, entre desconhecidos, rumando a um destino interdito, como uma pessoa que é sozinha no mundo.

O velho de “O muro”, embora se resigne, lamenta a ausência dos filhos na hora da sua morte. Resta-lhe o conforto que só o dinheiro pode oferecer e a voz “profissionalmente atenciosa” do enfermeiro. Em “Lua crescente em Amsterdã”, o jovem casal nos mostra a dor da solidão a dois que, em “A “mão no ombro”, se estende ao mecanismo das relações familiares.

O ponto máximo da solidão está no conto “A presença”, em que os velhos, por sentirem-se marginalizados na sociedade, se isolam em um hotel afastado, longe de tudo o que possa lembrar a juventude. É essa a mais dramática solidão: a solidão em massa.

A propensão para o suicídio

Além da morte natural (ou provocada por terceiros), Lygia atribui a muitas das suas personagens a tendência ao suicídio, seja na coragem de cometer o ato, induzir alguém a fazê-lo ou suspeitar dessa capacidade.

No conto “O dedo”, por exemplo, entre as formas que a narradora deduz para a morte da “dama do mar”, dona do dedo encontrado na areia, ela coloca o suicídio:

podia ser ainda uma suicida, dessas que entram de roupa pelo mar adentro, que o desespero é impaciente” (p. 44).

Em “O jardim selvagem”, o suicídio é a interpretação que o discurso propicia a respeito da repentina morte de Ed, que, como já sublinhamos, pode perfeitamente ter-se dado por influência da sua estranha esposa: “__ Seu tio Ed se matou hoje de manhã! Se matou com um tiro” (p. 56).

Já em “Tigrela” a intenção de induzir a tigresa ao ato, por parte de Romana, é bastante clara:

Ao invés de leite, enchi sua tigela de uísque e apaguei as luzes, no desespero enxerga melhor no escuro e hoje estava desesperada porque ouviu minha conversa, pensa que estou com ele agora. A porta do terraço está aberta, também ficou aberta outras noites e não aconteceu mas nunca se sabe, é tão imprevisível. (p. 99)

No conto “O encontro” o suicídio faz parte de uma revelação. Ao encontrar a moça antiga e lembrar que é ela própria em outra vida, a personagem lembra a tragédia que lhe ocorreu e tenta, em vão, impedir o ato:

lembrei-me do que tinha acontecido. E do que ia acontecer [...] __ Não! __ gritei puxando de novo as rédeas. [...] por um brevíssimo segundo, consegui vislumbrar ao longe a pluma debatendo-se ainda. Então gritei [...] E tapei os ouvidos para não ouvir o eco do meu grito misturar-se ao ruído pedregoso de cavalo e cavaleira se despencando no abismo (p. 74-5).

Nas narrativas de “A estrela branca” e “Um coração ardente”, o atentado contra a própria vida constitui a forma de libertação que a personagem encontra. O protagonista do primeiro conto, inicialmente, tenta matar-se por estar cego. Após o transplante, decide fazê-lo, com uma frieza quase doentia, para vingar-se do médico, autor da cirurgia, e livrar-se do domínio do velho doador que se mantém vivo no seu corpo, através dos olhos. Em “Um coração ardente” é uma prostituta de apenas dezoito anos que, por não enxergar meios para deixar a vida mundana, toma formicida __ a única maneira que encontra para largar o ofício que abomina.

Como se observa, o suicídio é um tema constante na ficção de Lygia, especificamente na obra em análise, atestando, assim, a propensão que as personagens têm para o abismo, propensão essa induzida pela crescente insatisfação humana.

O ESPAÇO E O TEMPO

O espaço que predomina nos contos em referência se coaduna perfeitamente com a ação. O cenário de “As formigas”, por exemplo, é ideal para a irrupção do desconhecido, ou seja, para respaldar o acontecimento extranatural que se dá dentro dele. Note-se que a descrição feita pela personagem narradora já delineia a pensão como um lugar sinistro:

um velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada (p. 31).

A expressividade da comparação (janela / olhos) atribui ao espaço uma força capaz de interferir no desfecho da ação; ou seja, transparece uma conexão entre ele e o fenômeno. Analogamente, os olhos humanos revelam os sentimentos guardados no íntimo, como as janelas, no caso, parecem denunciar o mistério que resguardam.

O enredo de “A caçada” transcorre numa loja de antigüidades (“A caçada”), um lugar que, como se sabe, é um antro de mistérios. Lá, o velho e o decrépito tecem a convivência do passado com o presente, serv de ponte para as mais insólitas ocorrências. Um detalhe significativo desse conto é a superposição de dois planos espaciais no momento do desfecho: o espaço real (a loja) e o irreal (o bosque), que determinam a afirmação do efeito fantástico.

Em “O muro”, o espaço real (o leito do hospital) e o espaço onírico criado pelo estado de delírio do personagem (a casa e o quintal dos tempos da infância) parecem se fundir. Já em “A mão no ombro”, o espaço onírico se transfere para o espaço real com todas as minúcias que prenunciam a presença da morte. O jardim, além de carregado de uma atmosfera insalubre, não pode ser situado no tempo nem no espaço. Esse mesmo cenário reaparece em “Lua crescente em Amsterdã” e “Noturno Amarelo”, embora sem essa drástica contaminação pelo teor insólito do acontecimento a que serve de fundo.

O cemitério abandonado de “Venha ver o pôr-do-sol” constitui o local perfeito para a vingança planejada pelo obsessivo Ricardo. Em “O encontro”, o bosque também possui uma finalidade básica no desenrolar da trama. Igualmente ocorre com o prostíbulo de “Um coração ardente” e com a ponte de “A estrela branca”.

Mesmo o apartamento de Romana (“Tigrela”), um espaço aparentemente desprovido de sinais sinistros, apresenta, como assinala Vera Silva, “um ambiente irreal, mágico, pleno de exotismo”, o que lhe assegura uma conotação fantástica, se bem que longe de insólita: um apartamento num “edifício altíssimo, todo branco, estilo mediterrâneo” (p. 95), decorado com almofadões veludosos e tapetes persas e cercado por um jardim que parecia uma selva em miniatura.

O rio de “Natal na barca”, por sua vez, guarda os seus mistérios na temperatura e na cor de suas águas: ele é verde e quente de manhã e gelado, à noite. A inquietação final da personagem protagonista ante o fenômeno da ressurreição, inclusive, se estende à suspeita de que esse rio possui um poder inusitado, não discernido pela sua racionalidade.

Os demais espaços __ a mansão isolada (“Seminário dos ratos”), a casa de sítio (“O jardim selvagem”), a praia (“o dedo”), o bar (“Negra jogada amarela”), a igreja (“O noivo”) e o hotel (“A presença”) __ locais rotineiros e despidos, aparentemente, de qualquer caráter sombrio, passam a atuar como ambientes presentificadores de um acontecimento insólito (nem sempre fantástico), intensificando, cada um a seu modo, a verossimilhança do mistério posto em cena. Note-se, por oportuno, que a noção espacial é quase inexistente no conto “Emanuel”, o que ajuda a construir a sua atmosfera dramática e o seu final surpreendente.

Os contos da obra em análise não trazem uma noção rígida da configuração do tempo. A encenação do mistério, como do fenômeno fantástico perderia a sua essência enigmática se plasmada em um tempo retilíneo, reversível, com noções cronológicas. Só em “O muro” o tempo cronológico se afigura, o que faz parte da própria proposta do enredo. O tempo fantástico, principalmente, não tece fronteiras entre o passado, o presente e o futuro. Tome-se como exemplo o conto “Noturno amarelo”.

De modo geral, como assegura Kátia Oliveira no seu estudo sobre a técnica narrativa em Lygia Fagundes Telles, especificamente com relação ao romance, “o tempo não regula as ações, é apenas um tênue fio de ligação ao presente”. Nas narrativas breves da autora __ as fantásticas, por excelência __ essa característica é ainda mais nítida, pois toda ação é vinculada a um tempo oscilante, incapaz de se deixar prender a um só plano.

CONCLUSÃO

Como tivemos oportunidade de ver, Lygia Fagundes Telles é uma escritora comprometida com o seu tempo, empenhada em reproduzir fielmente o homem perdido, solitário, quase sempre à beira de um abismo. O seu estilo contundente investe na incerteza do discurso e na linguagem simples e acessível, embora nem sempre o sejam os seus mistérios. Ela consegue ser, ao mesmo tempo, uma escritora tradicional e moderna, talvez por investir numa escritura atemporal, que tem como cerne a humanidade, acima de todo o mistério do cosmo. Afinal, como proclama Osho, a vida não é um enigma para ser desvendado, é um mistério para ser vivido. Também essa obra de Lygia.



OBRAS DA AUTORA

Praia viva - contos - 1944

O cacto vermelho - contos - 1949

Ciranda de pedra - romance - 1954

Gaby - novela - (em Os sete pecados capitais - obra coletiva) - 1954

Histórias do desencontro - contos - 1958

Verão no aquário - romance - 1963

Histórias escolhidas - contos - 1964

O jardim selvagem - contos - 1965

Trilogia da confissão (em Os 18 melhores contos do Brasil) - 1968

Seleta - contos -1971 (Notas e estudo de Nellly Novaes Coelho)

Antes do baile verde - contos - 1972

As meninas - romance - 1973

Seminário dos ratos - contos - 1977

Filhos pródigos - contos - 1978

A disciplina do amor - fragmentos - 1980

Mistérios - contos - 1981

As horas nuas - romance - 1989

A noite escura e mais eu - contos - 1995

Invenção e Memória - contos - 2000

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1992. 584 MEDINA, Cremilda de Araújo. “Lygia Fagundes Telles” in A posse da terra. Escritor brasileiro hoje. São Paulo: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. 1983. 5 p.

OLIVEIRA, Kátia. A técnica narrativa em Lygia Fagundes Telles. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1972. 52 p.

SAMPAIO, Aíla M. L. “Tradição e modernidade nos contos fantásticos de Lygia Fagundes Telles” __ Dissertação do Mestrado em Letras da UFC. 1996. 200p.

SILVA, Vera M. T. A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles. Rio de Janeiro: Presença, 1985. 211 p.

TELLES Lygia Fagundes. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 108 p. (Coord. Marisa Lajolo e Samira Campedelli)

______ Mistérios. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 224 p.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975. 191 p.



QUESTIONÁRIO

1.Lygia Fagundes Telles se afirmou como escritora no(s) gênero(s):

a) conto;

b) poesia e conto;

c) conto e romance;

d) poesia e romance;

e) romance.

2. São contemporâneos de Lygia Fagundes Telles os escritores:

a) Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Machado de Assis, Aluísio Azevedo;

b) Fernando Sabino, Clarice Lispector, Adolfo Caminha, Álvares de Azevedo;

c) Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Clarice Lispector, José de Alencar;

d) Otto Lara Resende, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos;

e) Paulo Mendes Campos, Raul Pompéia, Júlio Ribeiro, Aluísio Azevedo.

3. Sobre o gênero fantástico pode-se afirmar:

a) É um gênero recente.

b) Abrange as narrativas de suspense.

c) É um gênero de ficção que tomou consistência no Realismo.

d) É um gênero que se afirma nos enredos que contêm um mistério.

e) É um gênero que se define pela encenação de um fenômeno inexplicável pelas leis da razão.

4. Quanto às personagens dos contos da obra Mistérios, podemos afirmar:

a) Reproduzem o homem contemporâneo.

b) Possuem uma extrema necessidade de tecer um retorno à infância.

c) Formam uma galeria bastantes diversa de seres: a prostituta, a dama, o jovem, o velho, a mulher liberada, a mulher reprimida etc.

d) São seres solitários em busca do seu eu.

e) Todas as alternativas estão corretas.

5. Sobre o final do conto “A caçada”, pode-se chegar a seguinte conclusão:

a) O protagonista termina morto, estendido no chão da loja.

b) O protagonista termina ferido, no chão do bosque.

c) O discurso final não permite que se constate a morte ou a sobrevivência da personagem.

d) O protagonista finda definitivamente transformado em caça.

e) O protagonista passa a viver dentro do cenário do bosque.

6. Em “Noturno amarelo” a personagem Laura realiza uma viagem ao passado. Que dado pode comprovar tal fato se a hora em que ela esteve na casa da avó é a mesma em que se encontra de volta no carro e se o seu companheiro sequer percebeu a sua ausência?

7. Em que contos a escritora investe na interrupção do discurso para deixar prevalecer a incerteza dos fatos encenados?

8. O que você entendeu sobre o discurso da incerteza? Como essa opção de estilo contribui para incrementar os mistérios?

9. Que diferenças você assinalaria entre o fenômeno do conto “As formigas” e o acontecimento que tece o enredo do conto “A presença”?

10. O que os contos “Tigrela” e “Lua crescente em Amsterdã” têm em comum?

11. As narrativas evidenciam o tempo cronológico ou mantêm um tempo oscilante, irreversível, incapaz de se deter a um só plano?

12. Destaque os contos em que o espaço exerce uma função no desenrolar dos fatos insólitos.

13. Em que consiste o fenômeno fantástico do conto “Emanuel”?

14. Dois dos contos da obra analisada se aproximam do relato policial. Quais são eles?

15. No conto “Natal na barca” há um acontecimento inquietante: a ressurreição. Na sua opinião, o texto permite que se possa explicar o fenômeno, concebendo-o como um milagre?

16. Qual o desfecho do conto “A mão no ombro?”



RESPOSTAS

1. Opção c __ conto e romance.

2. Opção d __ Otto Lara Resende, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos.

3. Opção e __ É um gênero que se define pela encenação de um fenômeno inexplicável pelas leis da razão.

4. Opção e __ Todas as alternativas estão corretas.

5. Opção c __ O discurso final não permite que se constate a morte ou a sobrevivência da personagem.

6. A permanência, no seu retorno ao presente, de um objeto __ a pulseira de Eduarda __ que lhe fora dado no plano do passado.

7. “Emanuel”, “A caçada”, e “A mão no ombro” são os contos mais representativos do uso dessa técnica..

8. O discurso da incerteza é pautado muitas vezes pela ambigüidade dos fatos encenados que não deixa entrever a exata efetivação dos acontecimentos. Também a interrupção da narrativa no momento culminante contribui para que os fatos não sejam mostrados com clareza. Essa opção de estilo incrementa os mistérios exatamente por não propiciar as certezas que levariam ao seu desvendamento.

9. No conto “As formigas” o discurso não fornece pistas que possam explicar o fenômeno da montagem do esqueleto do anão. Já em “A presença” temos índices de que o jovem possa ter sido assassinado pelos velhos. O primeiro conto é, portanto, fantástico e o segundo se aproxima do relato policial.

10. A incerteza de que a metamorfose se processou.

11. A maioria das narrativas omite qualquer notação cronológica do tempo, que permanece oscilante, incapaz de se deter a um só plano. Ou seja, inexistem as fronteiras entre o passado, o presente e o futuro.

12. Principalmente em “As formigas”, “A caçada”, “A mão no ombro”, “Venha ver o pôr-do-sol”.

13. Na materialização de um ser __ Emanuel __ que só existia no imaginário da personagem protagonista.

14. “O jardim selvagem” e “A presença”.

15. Não. O fenômeno permanece inexplicável, pois não há alusões explícitas a um possível milagre propiciado pela noite de Natal, embora o contexto da pobre mãe seja de muita fé em Deus.

16. O desfecho é completamente indefinido. Não se sabe se a personagem morre ao ter o seu ombro tocado pela inusitada mão ou se ela consegue vencer a morte ao dormir.

Natal na barca: maravilhoso ou fantástico?*

O conto Natal na Barca, inserto no livro Mistérios (1981) de Lygia Fagundes Telles, como o próprio título prenuncia, traz o relato de um Natal diferente. Numa barca, cursando um rio não denominado, a narradora, um velho bêbado e uma mulher com uma criança seguem o rumo de uma cidade não identificada, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão (p.103). Sabiam apenas que estavam vivos e que era Natal.

As personagens, cúmplices na solidão, carregam os seus destinos e, apesar da situação inusitada para a data, mostram-se imbuídas do espírito natalino: o velho, na sua inconsciência ébria, dirigia palavras amenas a um vizinho invisível (p.103). A narradora, mesmo se sentindo bem naquela solidão, ao ver iniciado o diálogo com a mulher desconhecida, cede ao “sistema de vasos comunicantes” (p.105) e chega a confessar: Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los (p.105). A mulher, ninando constantemente o filho que trazia ao colo, ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante (p.106). A narradora chega a se questionar: seria apatia? Inconsciência? Depois ouve a sua declaração de fé incondicional em Deus e decifra o segredo da sua segurança e tranqüilidade.

O discurso não refere nenhum intuito de comemoração, mas, como se observa, as personagens se tornam humanas, como se de dentro delas emergissem sentimentos benéficos e gratuitos: as palavras do bêbado são amenas, a frieza inicial da narradora se enleia em teias de amizade e compaixão e a mulher, apesar das mazelas de seu destino, mantém os olhos brilhantes, vivos, as mãos enérgicas e vigorosas, a voz quente de paixão, transparecendo resignação e serenidade. Somente ela, ainda que sutilmente, lamenta passar o Natal na barca: Já tomei essa barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje... (p.104).

A ambigüidade, comum aos contos que compõem o volume Mistérios, se perfigura em Natal na barca para instaurar um clima enigmático. Após ouvir o relato em que a mulher diz ter visto, em sonho, o primeiro filho morto brincando no Paraíso com o Menino Jesus, a narradora, desconcertada, descobre o rosto da criança doente e constata que ela está morta. Dominada por um intenso temor, e tocada pela triste história daquelas vidas, ela sente necessidade de fugir para não presenciar o sofrimento da mãe ao fazer a trágica descoberta. Tenta despedir-se atropeladamente na chegada, quando a mulher, alheia ao seu drama, declara: Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre (p.107). A narradora se surpreende e, perplexa, se certifica de que a criança está realmente viva.

Esse desfecho nos faz entrever duas possibilidades de interpretação: a narradora poderia ter-se enganado na sua constatação, impressionada com a história que ouviu, ou testemunhou uma inexplicável ressurreição. A primeira possibilidade colocada remeteria o texto para o gênero Estranho. O discurso, no entanto, não explicita a revelação do equívoco, não arrola razões para a propensão a um engano. Pelo contrário, a narradora, na sua débil fé, esboça tacitamente o seu espanto diante do acontecimento: A criança abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar (p.107).

Assim, evidenciam-se parâmetros para o efeito fantástico: a perplexidade do sujeito da enunciação e a inexplicabilidade do fenômeno da ressurreição por via de um provável engano.

Considerando o universo de esmerada fé, que auréola a pobre mãe, pode-se condicionar o fenômeno a um milagre, pois, como referiu quase desdenhosamente a narradora, “a fé remove montanhas”. O Deus que nunca abandonou nem abandonaria a mulher, poderia tê-la presenteado, naquela noite de Natal, com a devolução da vida do seu segundo filho (que ela sequer desconfiou acalentá-lo morto por alguns instantes); também para tocar o ceticismo da expectadora, que se inquietou com o fato.

A atmosfera natalina se constrói nas sugestões da narrativa, oferecendo índices pra a dignificação de uma dádiva. A figura dessa mãe com o filho nos braços é descrita como uma alusão sutil à imagem da Virgem Maria com o Menino Jesus. Confiramos: A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga (p.103). A sua resignação e cordialidade tornam-na um ser quase etéreo. Vejamos, ainda, o último registro da sua presença, logo após os votos de “bom Natal” para a companheira de viagem: Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela desapareceu na noite (p.108).

O fenômeno da ressurreição, como se sabe, foge às leis da razão, mas, no contexto, talvez se encontre suscetível a uma explicação através da suposição de uma probabilidade irracional e meta-empírica: o milagre. Assim considerando, nos sentimos impelidos a remeter o conto ao Realismo Maravilhoso, um gênero que problematiza os códigos sócio-cognitivos do leitor, sem instalar o paradoxo, por meio de referências freqüentes à religiosidade, enquanto modalidade cultural capaz de responder à sua aspiração de verdade supra-racional, como assinala Irlemar Chiampi, na obra O Realismo maravilhoso (1980 p. 63).

Mas, se descartarmos a sugestão do milagre (já que a fé é dogmática, abstrata), encontramo-nos ante uma narrativa que possui requisitos pretensamente fantásticos: a permanência da ambigüidade e da incerteza (a criança estava morta, ou simplesmente dormia?); a não identificação dos personagens e a noção de espaço híbrido e mágico dada ao rio (ele é quente e verde durante o dia e gelado à noite); a falta de explicação racional para a possível ressurreição; a ausência de dados que confirmem o equívoco da narradora quanto à morte da criança e à sua perplexidade explícita diante da ocorrência.

As duas possibilidades de leitura tendem a requerer uma resolução: trata-se do Realismo Maravilhoso ou do Fantástico? A complexidade do texto e a exigüidade do tempo e do espaço pertinentes a este trabalho nos incita a não arrematar a questão e a estender essa indefinição ao leitor interessado, para que ele formule a sua própria conclusão.



BIBLIOGRAFIA



CHIAMPI, Irlemar (1980). O realismo maravilhoso. São Paulo: Perspectiva. 184 p. FURTADO, Filipe (1980). A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Livros Horizonte. 152 p. TELLES, Lygia Fagundes (1981). Mistérios. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 224 p. TODOROV, Tzvetan (1975). Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva. 191 p.





*Texto publicado no caderno Idéias, Jornal Tribuna do Ceará, 24 de dezembro de 1995

Uma Leitura de Estorvo, livro de Chico Buarque de Hollanda

Uma Leitura de Estorvo, livro de Chico Buarque de Hollanda


(Material de apoio para o Vestibular da UFC/2003)



DADOS SOBRE O AUTOR:

Francisco Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro em 1944. Cantor e compositor, publicou as peças Roda Viva (1968), Calabar (1973), Gota D’água (1974) e Ópera do Malandro (1979). Publicou quatro romances: Fazenda Modelo (1974), Estorvo (1991), Benjamim (1995) e Budapeste (2003). Influenciado pelas leituras de Flaubert, Céline, Sartre e Camus (cujas indicações foram feitas por seu pai, o historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda), Chico desenvolveu grande interesse pela literatura.

Segundo o jornalista Heitor Ferraz Melo, em artigo para a Revista Cult No. 69, “é impossível comentar os livros de Chico “sem vinculá-los ao período em que foram escritos e, principalmente, à realidade a que fazem referência, mesmo de forma indireta. /.../ Uma hipótese de leitura do conjunto dos três romances... é pensá-los da seguinte maneira: neles estão contidos dois períodos da vida brasileira, os anos 70, sob o regime da ditadura militar (Fazenda Modelo), e os anos 90, com o país já democratizado, porém mantendo internamente as abismais desigualdades sociais (Estorvo e Benjamin)”. Sabe-se que Chico foi um dos músicos mais perseguidos pela censura durante o regime militar, tendo passado, inclusive, longo período exilado. Para driblar essa censura, ele continuava a compor suas músicas de protestos, mas assinava-as com o pseudônimo de Julinho de Adelaide.

OS OUTROS ROMANCES:

Segundo o jornalista Heitor Ferraz Melo, em artigo para a Revista Cult No.69, “é impossível comentar os livros de Chico “sem vinculá-los ao período em que foram escritos e, principalmente, à realidade a que fazem referência, mesmo de forma indireta. /.../ Uma hipótese de leitura do conjunto dos três romances...é pensá-los da seguinte maneira: neles estão contidos dois períodos da vida brasileira, os anos 70, sob o regime da ditadura militar (Fazenda Modelo), e os anos 90, com o país já democratizado, porém mantendo internamente as abismais desigualdades sociais (Estorvo e Benjamin)”. Budapeste enfoca o processo metalingüístico; o escritor e sua produção de encomenda. Obra irônica, que lembra algumas passagens surreais de Campos de Carvalho.

Obras:

Fazenda Modelo (1974) – Novela pecuária. Alegoria do Brasil: no lugar de indivíduos, bois; no lugar do país, uma enorme fazenda. É narrado por um boi e dedicado a uma vaca. Há bastante humor. (Escrito na época da ditadura militar).

Benjamim (1995) – A narrativa tem início com o possível momento final da vida de Benjamim, quando ele vai ser fuzilado por um bando armado (o que se passa apenas em sua imaginação delirante de modelo decadente e envelhecido). Há a presença de fatos reais, como a história de Castana Beatriz, que teria morrido numa emboscada durante o período de repressão e que, na obra, representa a paixão obsessiva de Benjamin, que tenta encontrá-la na corretora Ariela. Destaca-se, também, a história de Alyandro Sgaratti, menino pobre, pequeno marginal das ruas, que acaba virando político.

Budapeste (2003) retoma a narrativa em 1a. pessoa; um escritor anônimo, José Costa, conta sua história ao transitar entre o Rio de Janeiro e Budapeste, onde acaba indo lançar sua autobiografia, que, estranhamente, não foi escrita por ele, embora reconheça nela sua própria história e seu próprio estilo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA

A crítica define o livro Estorvo como uma “alegoria do vazio”, ou seja, uma representação simbólica da total falta de perspectiva do homem contemporâneo, inserido numa sociedade hipócrita, cujos valores se encontram em decadência. “Narrado em primeira pessoa, Estorvo se mantém constantemente no limite entre o sonho e a vigília, projeções de um desespero subjetivo e crônica do cotidiano” (contracapa da 1a. edição). Desprovido de qualquer liame com os valores da sociedade, o protagonista mostra-se desajustado às regras sociais: não se adequa a nenhum emprego, aceita ser sustentado pela mulher, depois pela irmã, não é capaz de administrar os bens da família após a morte do pai. Não valoriza nenhum bem material: perde a mala com suas roupas, tem seu dinheiro roubado, seu sítio invadido, as jóias roubadas são pagas com uma droga da qual ele só pensa em se livrar (não em vender) e, entretanto, ele não reage. Heitor F. de Melo chama atenção para a total atonia do personagem, para a forma como ele é levado pela ação: “É como se ele mesmo não tivesse vontade própria, não tivesse reação racional”. “Sonho ou realidade, o fato é que a história (como a do livro Benjamim) aponta para um mundo impedido, que não consegue superar o passado, onde não há esboço de resistência do sujeito. Os personagens dançam conforme a música, como se tivessem petrificado a individualidade. (Revista Cult). O protagonista de Estorvo sonha em fazer viagens, mas ao mesmo tempo admite que não lhe desagrada “ficar suspenso no tempo”. Ou seja, sua apatia é assumida e quase irreversível. “E o olho mágico que filtra o rosto do visitante misterioso talvez seja a melhor metáfora da visão deformada com que o narrador, e o leitor com ele, seguirá sua odisséia” (contracapa da 1a. edição).

Essa visão deformada, tão bem simbolizada pela imagem através do olho mágico, se coaduna perfeitamente com a imagem do protagonista, que incursiona pelo passado e faz retornos ao presente, mas não se aventura a vislumbrar o futuro, porque não é capaz de enxergá-lo. Segundo o crítico Benedito Nunes, “Seu futuro é a expectativa do pior” (Revista Cult no. 69), como a encenar a falta de projetos da humanidade dos anos 90, que vive imersa num grande vazio. A ausência de nomes, inclusive, mostra que as personagens se irmanam no mesmo universo de seres desajustados, sem rumo e sem individualidade.

A estrutura não-linear traz uma narrativa psicológica e o fluxo se dá não apenas em cima dos fatos, mas sobre e abaixo deles, ou seja, o narrador não conta apenas o que vive ou viveu, confabula, imagina e relata essas confabulações, essas imaginações, (como no momento em que imagina a morte da mãe, asfixiada pelo gás). Está sempre construindo hipóteses, como quando tenta descobrir quem é o homem que o aguarda a frente do olho mágico. Ele foge como a tentar resgatar algum projeto, mas não chega a nenhum lugar, “termina dentro de um círculo vicioso cujo núcleo é tão forte que ele não consegue mais escapulir”. Observe-se que o personagem aparece em constante movimento, revelando “a imobilidade e a impossibilidade de reagir a esse mundo” /.../ ele (como Benjamin) não é responsável pelos próprios atos, é o tempo todo carregado em direção a um destino fatal.

Na fuga (de si mesmo?), o protagonista está sempre voltando aos mesmos lugares “- a casa da irmã, em forma de pirâmide cortada no topo e toda envidraçada, o sítio da família, a uma hora e meia da cidade, que foi tomado por traficantes de maconha –”. Nesse percurso, o livro fixa a complexa imagem do país, leva o leitor a girar por “camadas de uma sociedade degradada e dividida entre os muitos ricos e os que vivem de atividade ilegal ou em torno dele e com proteção da polícia” /.../ O protagonista participa de todos os lados, mas sempre impulsionado pela situação. (Texto base: Revista Cult, No. 69: “Alegorias do Vazio” – Heitor Ferraz Melo).

O TEMPO

Como já se disse, o tempo transcorre na perspectiva psicológica, não assinala nenhuma cronologia. No início, tem-se a impressão de que é uma narrativa cíclica, pois a descrição do homem que aparece pelo olho mágico é idêntica à do delegado que comandará (comandou?) a chacina em seu sítio no último capítulo. Outro indício bem evidente: o apartamento em que ele está no primeiro capítulo seria o que, no final ele pensa em alugar? (Quando minha irmã chegar de viagem, de bom grado me adiantará seis meses do aluguel de um apartamento (p.140)). Seria o mesmo a que ele se refere quando faz confabulações sobre o rosto do homem que tocou sua campainha: (... convertendo-se no proprietário do imóvel que vem cobrar o aluguel. Mas ainda não é sonho e nada devo ao proprietário, pois minha irmã é avalista, adiantou seis meses a título de fiança... (p.29)). No final, entretanto, não se fecha o círculo e a impressão que temos é a de que o narrador morre, não sem antes volta todo o filme: pensa em retornar aos mesmos lugares, ver as mesmas pessoas, fazer as mesmas coisas, para dar ao leitor a certeza de que anda em círculo, sempre, e que não chega a lugar nenhum.

Outro dado curioso: No capítulo 9 ele fica sabendo que a casa da irmã foi assaltada, que ela foi estuprada e que viajou para Paris, para se recuperar. No primeiro capítulo, quando, após ser visitado pelo misterioso homem a quem não quer atender, ele vai à casa de sua irmã, encontra-a olhando fotos da última viagem e infere que as fotos sem pessoas e desfocadas: devem ser fotos do início da viagem, quando ela estava sozinha e emocionalmente abalada (p.16). A indefinição quanto à morte dele, no último capítulo, também é mais um dado para enredar o leitor, que não é esclarecido já que o tempo narrativo é contemporâneo da ação, ou seja, ele narra os fatos na medida em que vão acontecendo, fazendo os flash backs e emergindo dos fluxos de consciência, mas sempre voltando ao seu tempo que é sempre o presente, o que não o impediria de contar a história e depois morrer. Observe-se como se inicia o romance: Para mim é muito cedo, fui deitar dia claro, não consigo definir aquele sujeito através do olho mágico. (p.11) E como termina: Ao subir no ônibus lembro que não tenho dinheiro para a passagem (p.140) – todos os verbos estão no presente do indicativo. No último parágrafo, entretanto, a ação é apenas projetada para o futuro, não se efetiva: Não haverão de me negar uma ficha telefônica na rodoviária. Ligarei para minha mãe, pois preciso me deitar num canto, tomar um banho, lavar a cabeça. Quando minha irmã chegar de viagem, de bom grado me adiantará seis meses do aluguel de um apartamento. Se mamãe não atender, andarei até a casa do meu amigo; ele não se importará de me hospedar até a volta da minha irmã. Se meu amigo tiver morrido, baterei à porta da minha ex-mulher. Ela sem dúvida estará atarefada, e poderá se embaraçar com a visita imprevista. Poderá abrir uma nesga da porta e fincar o pé atrás. Mas quando olhar a mancha viva na minha camisa, talvez faça uma careta e me deixe entrar. (p.140-1). Na fala final, o narrador utiliza os verbos no futuro do presente, colocando os seus desejos no plano hipotético. Teria ele sobrevivido à facada? Seria esse apartamento, que ele pediria para a irmã adiantar o aluguel de seis meses, o mesmo em que ele se encontra no início da narrativa, ao ouvir o toque da campainha? Seria o sujeito que ele se recusa a encarar : sei que era alguém que há muito tempo esteve comigo, mas que eu não deveria ter visto, que eu não precisava rever, porque foi alguém que um dia abanou a cabeça e saiu do meu campo de visão. (p.12) o mesmo que comandou a chacina em seu sítio e, por isso, ele se sente perseguido? Vejamos o que ele disse naquela noite: Encaro o delegado e digo “agora chega”, mas a voz sai tão débil que eu mesmo mal escuto. Talvez ele escute, pois abana a cabeça e sai do meu campo de visão. (p.139). Tudo se alicerça na dúvida, tudo se equilibra no talvez, tudo parece suspenso e sem definição, como a própria vida do personagem.

RESUMO DOS CAPÍTULOS

CAPÍTULO 1

O protagonista, entre o sono e a vigília (como se saísse de dentro de um sonho), escuta o toque da campainha de seu apartamento e se recusa a abrir a porta, pois o rosto que espreita através do olho mágico é de “alguém conhecido mas muito difícil de reconhecer” (p.11). Ele só sabe que é alguém que esteve há muito tempo com ele, mas que ele não gostaria de rever. O homem desiste, toma um táxi e ele, apreensivo, resolve sair e ir à casa da irmã. O novo porteiro do luxuoso condomínio em que ela mora desdenha de sua aparência e, mesmo autorizado pelo interfone, permite sua entrada com má vontade. Após fazer comentários sobre a bela casa da irmã, em forma de uma pirâmide de vidro sem o vértice, encontra-a tomando o café da manhã em um dos jardins de inverno. Ela mostra as fotos da última viagem e ele logo se desinteressa porque “não há pessoas, somente parques, ruas, alguma neve, paisagens repetidas”. Ele percebe que a maioria delas está desfocada (embora ela tenha curso de fotografia), como se ela as tivesse tirado num ato compulsivo. Infere que “devem ser fotos do início da viagem, quando ela estava sozinha e emocionalmente abalada” (p.16). A sobrinha aparece, trata-o de modo estranho, a irmã fala do isolamento da mãe, dize-o que a procure e se retira, após assinar um cheque (para ele). Ele contempla o vulto da irmã, encantado não com o corpo, mas com o movimento dele dentro da roupa. Telefona para a mãe, mas ele atende e fica muda, depois desliga e ele fala sozinho, fingindo para os empregados.

CAPÍTULO 2

Ele chega à rodoviária com quatro maços de notas referentes à troca do cheque dado pela irmã. Sente-se incomodado com o volume deles e passa a andar de um lado para outro enquanto espera o ônibus. Imagina que todos o olham desconfiados e vai esconder-se no banheiro até o momento da saída. Toma o ônibus para o sítio da família, ao lado de um “sujeito magro, de camisa quadriculada” (p.23) que ele diz já ter visto encostado a uma coluna. Desce no “Posto Brialuz” (onde também desce o sujeito de camisa quadriculada) e vai andando em direção à Fazenda. Encontra a porteira aberta e tem a impressão de que “não está entrando em lugar nenhum, mas saindo de todos”. Faz o percurso, esperando anoitecer, chega à casa grande, entra pela cozinha e encontra o velho caseiro, bêbado, que não o reconhece. Ele diz que vai passar uns dias por lá, dá um maço de dinheiro para as provisões, mas o velho se apossa sem compreender, enquanto fala que sua esposa morreu, seus filhos foram embora e que ele está na casa, cuidando dos netos. Relata, também, que o sítio foi invadido por estranhos que estão se apossando de tudo. Ele vai descansar no quarto que era seu e se sente incomodado pela menina que fica espreitando-o e pelo menino que joga video-game. Sente-se dormente, confunde as imagens do jogo com a visita indesejada do homem que vira através do olho mágico, percebe a aproximação da menina e que ela rouba todo o seu dinheiro, mas não têm ânimo para reagir. Entre o torpor do sono e o cansaço da insônia, escuta o barulho de muitas crianças correndo do lado de fora e o motor de duas motos que derrapam em alta velocidade. Ele sai do quarto e é surpreendido pelo terceiro motoqueiro que, junto aos outros, expulsam-no do sítio.

CAPÍTULO 3

O velho arranja dinheiro para que ele retorne à cidade. Da rodoviária ele liga para a mãe e acaba desistindo, porque ela não o atende. Liga para a ex-mulher e a mensagem diz que ela está na Alfândega, a boutique em que ela trabalha num dos Shoopings mais movimentados da zona sul. Ele vai até lá, sente-se marginalizado pelos olhares e é conduzido pela ex até uma pizzaria, onde conversam. Ele revela que está sendo perseguido e ela diz não poder ajudá-lo. Ele diz que vai mudar do quarto-e-sala para um apart-hotel e ela dá a chave de seu apartamento para que ele pegue a mala com o restante de suas roupas. Ele então recorda que foi casado com ela durante quatro anos e meio, que viveram um grande amor; ela arranjava empregos para ele, mas nada dava certo. No último ano ela resolveu trabalhar, ficou grávida e, diante da reação dele, resolveu abortar, o que, certamente, liquidou o amor dela e provocou a separação. No percurso até o apartamento dela, ele visita o bairro vizinho onde morava antes de casar, vai a um bar, não encontra nenhum conhecido e passa ao lado do prédio antigo onde mora seu único amigo, um rapaz de comportamento demais estranho (p,41-1). Pensa em procurá-lo, mas percebe um tumulto em torno do prédio, ver uma mulher (empregada de um dos apartamentos) dando depoimentos sensacionalistas para a TV, exagerando no drama e dizendo que seu filho é inocente. Logo sai o filho dela, um negro gordo, algemado, vestindo apenas uma minúscula sunga, com um sorriso grotesco nos lábios. Depois o corpo do suposto professor de educação física, assassinado por um dos rapazes que freqüentava seu apartamento. Ele contempla a cena de longe, admirando os pés do morto (seriam do seu amigo?), que saltam do lençol. Ao chegar na casa da ex, com a incontida necessidade fisiológica, urina na pia cheia de louças. Resolve tomar um banho que, de tão demorado, inunda todo o apartamento. Apressa-se para encontrar a mala e sair antes que ela chegue e pense que foi tudo de propósito.

CAPÍTULO 4

Ele volta ao sentimento que vive na cena inicial e decide não ficar parado, esperando que “O homem” decida parar de tocar a campainha. Faz confabulações acerca do local em que mora, da família e até do emprego “desse homem”. Tece vários trajetos de perseguições e decide não sair da cama enquanto ele não desistir. Acorda com a chegada da ex-mulher, que chora convulsivamente ao ver a situação em que se encontra sua casa. Ele localiza a mala debaixo da cama, se veste e sai pela rua, andando sem direção. Já é noite e ele não tem compromisso, pode andar até o amanhecer, mas confabula que “um homem sem compromisso, com uma mala na mão, está comprometido com o destino da mala” (p.53). Logo se apercebe de que está na entrada do condomínio da irmã, onde quer deixar a mala, mas é barrado pelos porteiros que se apossam dela. Um carro pára e uma amiga de sua irmã que ele conhecera superficialmente, completamente bêbada e drogada, convida-o para entrar. Lá ele percebe que está havendo uma festa e que os convidados ocupam todo o jardim. Anda por todo o jardim e vai a casa, quando encontra o cunhado, que o apresenta como “artista” aos amigos (que o definem como um “pôrra-loca”) e ouve comentários de que ele deixou o sítio virar um antro de vagabundos e marginais. Ele percorre a casa e pensa em subir a escada e ir ao quarto da irmã sem ser visto, como na primeira vez em que lá esteve. Recorda esse dia, quando lá esteve numa manhã de domingo e a irmã recebia uns amigos na piscina. Após mergulhar, ele entrou na casa e se sentiu atraído pelo quarto da irmã. Foi até lá e se sentiu incomodado com o fato de descobrir que a irmã e o marido dormiam no mesmo quarto. Para não ser surpreendido pela arrumadeira, ele se esconde no closet, vasculha as roupas e os sapatos com os olhos, encontra as jóias da irmã, mas guarda-as de volta nas caixas e vai embora. Retorna ao presente e decide ir até o quarto dela outra vez. A porta está encostada, ele ouve suspiros e imagina cenas lascivas lá dentro; depois percebe que o quarto está vazio e entra, vai ao closet e rouba as jóias. É surpreendido pela amiga dela que acabara de entrar e está se drogando. A amiga tenta seduzi-lo, mas ele foge pela escada. Sai da casa numa kombi junto aos garçons, após receber a gratificação que todos eles receberam, desce no fim da linha e vai à rodoviária.

CAPÍTULO 5

O protagonista retorna ao sítio em um ônibus superlotado, sentado ao lado de um homem morto, do qual ninguém se apercebe. O balanço do carro nas curvas o faz lembrar da infância, quando a família ia ao sítio e ele recorda o cheiro da cabeça da irmã (...já cheirei a cabeça de muitas mulheres e nunca mais senti nada igual (p.65)). Ao abrir a cancela do sítio ele é surpreendido por um “furgão caramelo-metálico, novo em folha, sem placa” (p.67), com dois mulatos gêmeos e um motorista ruivo, que o conduzem à casa de hóspedes do sítio, transformada numa espécie de “oficina mecânica” (supostamente uma oficina de desmanche de carros). Ele é conduzido a um espaçoso trailer (estacionado entre outros seis), que parece funcionar como o escritório da “organização”. Ele mostra as jóias roubadas da irmã e, após ser espancado por um dos bandidos, é recomendado a voltar outro dia (para pegar o pagamento). Ele vai para a casa grande, onde encontra a menina fazendo uma sopa, que logo depois lhe é servida por ela, em meio a uma melodia indefinida sussurrada por ela.

CAPÍTULO 6

Ele acorda com dor de cabeça, por conta da surra que levou dos bandidos (no dia anterior). Tira a garrafa de cachaça das mãos do velho bêbado para fazer bochecho e vê as criança pularem pelas janelas, instigadas pelas ameaças do velho que acordara mal-humorado. Elas se dirigem ao pomar e logo retornam com seus embornais cheios de limões. Ele passa a lembrar do amigo, na última vez em que estiveram no sítio há 5 anos. Ele recorda as conversas sobre poesia, reconstrói a imagem física dele, tentando lembrar seus pés para compará-los aos do rapaz morto no Edifício Continental, mas logo admite que a última coisa que seu amigo seria era professor de educação física. Ele imagina o seu amigo recebendo rapazes, bebendo e lendo poesias e o seu suposto amante irritado, estrangulando-o. Recorda também quando ele (o amigo) disse que ele (o protagonista) deveria renunciar àquela terra e entregá-la aos camponeses; que saíram de carro para a cidade e, sem saber como, foram a uma festa em um apartamento cobertura, onde estudantes de antropologia comemoravam a formatura. Ele lembra que foi apresentado a uma moça, que tentou ensiná-lo uma dança africana e contou que pretendia conhecer o Egito. Embora o amigo não tenha gostado dela, o protagonista casou-se (com ela) no mês seguinte e o perdeu de vista. O velho aparece para quebrar suas recordações e ele passa a pensar no dinheiro que receberá como pagamento das jóias. Pensa em viajar, mas logo admite que não o desagrada ficar “suspenso no tempo” (p.80). Após contar os azulejos da piscina, ele vê o velho lançando cascalhos no bananal e expulsando as pessoas que lá estão. São os camponeses que estão acampados numa parte do sítio e colhem as bananas (?), a despeito dos protestos do velho. Quando ele vai retornar para a casa grande, encontra um dos gêmeos e os cachorros do sítio, que são cuidados pelo neto de velho, e tentam agredi-lo. Em casa, ele vê a menina contemplando o corpo nu do avô, que parece se oferecer para ela.

Ele passa a noite ouvindo um toque de telefone, pensa na irmã, no cunhado, e nas ameaças que os bandidos podem estar fazendo para libertá-lo. A corda e sai a percorrer as trilhas do sítio. Escuta o telefone tocar dentro de um dos treilers e vê um carro de polícia, onde os camponeses descarregam toda a colheita (sacos gordos de lona verde). Desmontam as barracas e o policial (um homem com cara de ex-pugilista) vai embora ao lado do bandido ruivo. À noite, enquanto fica escutando as melodias emitidas pela menina, ele recebe a visita dos gêmeos, que o entregam uma mala cheia de maconha (“grandes camarões” imersos em folhas de bananeira - p.86) como pagamento pelas jóias. Aconselham-no a ir embora e deixam-no no posto para pegar um ônibus para a cidade.

CAPÍTULO 7

Ele passa a noite esperando o ônibus (ao lado de um sujeito magro, de camisa quadriculada), agarrado à mala, que já exala o cheiro da maconha. Quando ele sobe no ônibus, surgem várias crianças com os embornais cheios de limões, entram e sobem no ônibus e ficam fazendo peripécias; inclusive apontando para a mala com olhares provocativos. Na beira da estrada ele vê os tais camponeses, peões do sítio (eles escondem o rosto com aparelhos de rádio, toca-discos, amplificadores, caixas de sons e as barracas p.90) indo embora. Na cidade, ele apanha um táxi e se dirige ao prédio em que a mãe mora, pensando em guardar a mala no guarda-roupa que fora de seu pai e que ninguém mexe. O porteiro o reconhece, deixa-o entrar, mas a mãe não atende ao toque da campainha. Pensa em deixar a mala na porta, mas teme (na sua imaginação) que, ela não aparecendo para pegar as cartas, o porteiro poderá chamar a polícia para entrar no apartamento, depois o corpo de bombeiros e, após encontrarem a mãe suicida (asfixiada por gás) certamente descobrirão o conteúdo da mala.

CAPÍTULO 8

Ele, após ficar horas contemplando o mar, volta para pegar a mala do hall do apartamento da mãe. Percorre o comércio e, quando se apercebe, está dentro de um agência bancária. Tenta disfarçar e segue a irmã de um velho amigo, que é paralítica e mora num prédio decadente. Começa a imaginar que ela e o irmão estão sem dinheiro, porque ele (o irmão) o gastou todo em festas. Segue para o prédio onde mora o seu Amigo, recorda que ele o procurou depois de casado e que sua mulher sempre se irritava porque, ao atender o telefone, ele sempre ficava mudo. Ele pretende deixar a mala com o tal amigo e fugir logo em seguida, com certeza ele (o amigo) irá querer encontrá-lo, mas não conseguirá. Sobe as escadas do prédio e, antes de chegar ao quinto andar, a mala despenca e cai aberta na porta (da cozinha) de um apartamento. Logo é encontrada por uma empregada que grita pelo porteiro. Ele foge e, num torpor, vê o negro que cometeu um assassinato naquele prédio (teria sido do seu amigo?). Vê o movimento da polícia engarrafando o trânsito e todo o tumulto que se formou. Pula o muro de um sobrado em demolição e encontra um homem (que supõe ser um professor que fuma escondido) andando de um lado para outro, acendendo cigarros e olhando as horas. Passa a segui-lo e vão juntos ao Shopping, onde várias vezes ele toca a campainha da loja em que sua ex-mulher trabalha. O vidro da porta acaba explodindo e ele vai embora sem nada ter a falar. Na saída do shopping, vê o seu companheiro ser recolhido por um carro de um sanatório e, ao ser revistado pelos seguranças, é surpreendido pelo carro preto em que anda a amiga de sua irmã, que o leva até a mansão.

CAPÍTULO 9

Ele teme que a amiga da irmã tenha percebido o roubo das jóias na noite da festa, pensa em agarrá-la e seduzi-la para evitar que ela conte tudo, mas, quando se apercebe, já está no jardim do condomínio, ela cheira uma droga e limpa o rosto dele, ferido e cheio dos estilhaços da porta de vidro da loja ( limpa com um absorvente embebido da droga). O cunhado e a amiga da irmã jogam tênis, vão à sauna e ele fica sabendo, por meio de conversas evasivas, que a irmã viajou. Na hora do jantar, o cunhado conta sobre o assalto que houve lá, por isso os empregados estão feridos; que, por não ter os dólares exigidos pelos ladrões, a irmã dele prometeu as jóias. Por não tê-las encontrado, foi estuprada pelos bandidos no chão do closet. Por isso ela está em Paris para se refazer. Por isso a filha deles está ainda mais rebelde.

CAPÍTULO 10

O delegado chega à mansão da irmã e, após tecerem comentários sobre as investigações do assalto (os bandidos foram encontrados numa favela próxima e confessaram o crime), o cunhado encaminha a conversa para a invasão do sítio que a mulher pretende vender. O protagonista pensa que se sua irmã estivesse lá, pediria ao delegado que suspendesse a investigação do roubo das jóias. O delegado o chama e seguem juntos para o sítio. Nas proximidades, o delegado (do Rio) encontra o delegado local, que (o protagonista) ele logo reconhece como o policial que estivera no sítio, outro dia para pegar a “colheita” com os bandidos (é o que tem cara de ex-pugilista).

CAPÍTULO 11

O protagonista segue com o delegado local e é recebido pelos gêmeos e pelo ruivo, que logo perguntam (ao delegado local) pelas jóias. Ele apresenta o protagonista como dono do sítio e todos se surpreendem, pois pensavam que era mais um “pobre-diabo”. O delegado diz que ele não veio para expulsá-los e que trouxe um pessoal de uma “organização” para fazerem negócios. O delegado do Rio entra no trailer, as jóias já estão sobre a mesa, ele as identifica e encontra muita droga. Os bandidos se rendem e saem do trailer, sendo logo em seguida fuzilados pelo delegado local. O delegado do Rio justifica que os bandidos tentaram a fuga. O protagonista pede que parem com a chacina, mas o delegado se recusa. Logo tocam fogo em tudo e ele sai sozinho, em meio à chuva e à lama. Pára em frente ao Posto Brialuz, onde pretende tomar um ônibus para voltar à cidade. Vê o “homem magro de camisa quadriculada” e experimenta um estranho “sentimento de gratidão”. Abre os braços para abraçá-lo e é recebido com o golpe de um “facão de cozinha enferrujado” (p.140). Sangrando, ele sobe no ônibus, pensando em quando chegar à cidade: pedir que a irmã lhe adiante seis meses para o aluguel de um apartamento, ligar para a mãe; se ela não atender, procurar o amigo; se ele tiver morrido, ir a casa da ex-mulher que, vendo-o ferido, não se recusará a ajudá-lo. Não há um definição quanto à morte ou sobrevivência do personagem.



PERSONAGENS: Todos os personagens têm características estranhas, agem de modo incomum. São seres deformamos que, como já se disse, são metaforizados pela visão da lente do “olho mágico”.

Eu (protagonista) – Um rapaz de classe média, separado, completamente desajustado. Demonstra um sentimento (meio) incestuoso pela irmã

Minha irmã – Aparenta um comportamento nervoso, é fútil, mas trata o irmão com certa proteção.

Meu cunhado – Um homem rico, de uma riqueza exuberante, mas trata o cunhado “artista” com certa consideração.

Meu amigo – Um rapaz de idéias estranhas, gosta de ler revistas e jornais, de ouvir música clássica recitar poesia francesa. Tem idéias revolucionárias.

A amiga de minha irmã – Moça completamente desequilibrada, vive consumindo drogas.

Minha ex-mulher – Fria, trabalhadora, decepcionou-se com o casamento.

Mamãe – Vive isolada, recusa a companhia até dos filhos.

O velho – Caseiro do sítio, agressivo, gosta de dinheiro, vive bêbado.

A menina – Neta do velho, parece iniciada na arte de roubar.

O menino – Neto do velho, tem envolvimento com os bandidos que invadiram o sítio e com o policial que os acobertam.

Os gêmeos – Bandidos frios.

O ruivo – Chefe dos bandidos que invadiram o sítio. Vive consumindo drogas.

O delegado do Rio – parece ser o mesmo homem que toca a campainha do apartamento do protagonista no início do romance.

O delegado local – Tem cara de ex-pugilista; é conivente com o crime.

Hidrólio – o copeiro da mansão da irmã. (O único que tem nome)