sexta-feira, 27 de abril de 2012

No limiar dos invernos








O livro No limiar dos invernos, de Linhares Filho, é um canto à maturidade: “Saber maduro alerta-me profundo / sobre a velocidade da descida. / Busco incessantemente, só o jucundo / e sofro por qualquer coisa perdida ( “No limiar dos invernos”, p.108). O próprio título sugere um marco, o momento de transição, quando o poeta se assume homem maduro, senhor de suas emoções, e poeta afinado com seu instrumento: a palavra e sua expressividade.


No poema que abre o livro, “Legenda”, ele fala sobre os frutos colhidos na madureza e interroga sobre o inverno que o espera, metaforizando os anos vividos e declarando-se atento ao galope do tempo:

Frutos colhi de minha noite em trégua,
Produtos viscerais da madureza.
Irei também no inverno, a cada légua,
Colhê-los de alma pronta e sempre acesa?

Pautada a rota por divina régua,
Espero ver tais frutos sobre a mesa,
Depois que, ao dorso de um cavalo ou égua,
Minha alma galopar, a crinas presa. (p.33)

Do ponto de vista formal, o mestre transita entre o verso livre e o metrificado com a mesma naturalidade com que celebra o silêncio e os ventos. Para ele, a poesia é “Fruto da necessidade do belo e do sublime...a eterna busca do ser”. Os exercícios metapoéticos atestam sua consciência estética na criação literária, bem como a preocupação ontológica que perpassa também outras obras suas. Ser poeta, pra ele, é mais que ser homem: “Perquire muito além do que vês e do que ouves. / Flores não tocarás, sem ter pena, por couves. / Sonha, em vigília, bem mais do que quando dormes”. (“Contribuição à busca do poético” p. 38).

Nilto Maciel, em artigo sobre o novo livro do poeta de Lavras, fala dos múltiplos recursos formais utilizados: “do soneto ao verso livre e a poemas de variados feitios, em versos decassilábicos ou de cinco, seis, sete e oito sílabas. O apego à vestimenta da tradição o livrou da aventura pela chamada poesia de vanguarda, pelo antiverso, pelo poema visual e outras modalidades de efêmera duração. Isto é, consciente e conhecedor do fenômeno estético, tem pleno domínio da técnica do verso. Sem se apegar, com fanatismo, à métrica e à rima, faz uso também do verso branco, como em “Das coisas”. Quanto à rima, ele a pratica muito bem, em todas as suas modalidades ou tipos: consoante, aguda, esdrúxula, grave etc.”, o que mostra seus conhecimentos bem depurados quanto à teoria do verso.

O homem maduro não faz só um exercício estético de amor à poesia, celebra a fé, os amigos, a vida e a mulher amada. Constrói sua poética por meio de odes, propostas, convites, hino, homenagens, reflexões, cantos e orações. A religiosidade que parece mover sua vida desenha-se em preces e confissões de fé e atos de humildade diante do Senhor, a quem clama a virtude e o poético: “Dai-me a realização, Senhor, do santo anseio, não me tireis, porém, o espírito poético”. p. 37. Vertentes de sua existência, Deus e a poesia são seus escudos e seus broquéis. Só pela palavra, o poeta resgata o passado, frui o presente e vislumbra o futuro (p.35), integrando-se ao tempo e transcendendo-o.

Senhor de sua pena, Linhares não priva seu grito pelo planeta: “De Kioto a Copenhague / vive a clamar a mãe Geia / contra uivos de alcateia: / que o efeito estufa se apague”, p. 101), pelo Haiti: “Convoque-se o ímpeto cordial e amigo / do globo em torno de uma só ideia: recriar o Haiti e seu valor humano”, p. 102. Com a mesma leveza com que contempla o sono da amada, (“Dorme e observo o seu ressono. / Em seu mundo inconsciente / vai passeando tranquila e na penumbra / por alamedas ensombradas / ou entre os pomares e jardins do outono? p. 93), canta a irreverência do vento e a voz das aves.

Conhecimentos mitológicos e bíblicos subsidiam sua criação e mostram um poeta consciente do seu estar no mundo em todas as suas faces: a do homem, do professor, do cidadão, do avô amoroso, do amigo e do amante apaixonado. Nessa diversidade, celebra poetas e amigos; louva a língua pátria e até a matemática, que registra a multiplicidade do universo (p.60); canta cidades que marcaram seus percursos: Rio de Janeiro, Argentina, São Paulo e Brasília e, como num balanço de seu universo multifacetado, fecha o livro com dois sonetos que elucidam o título da obra. O primeiro deles marca a consciência da maturidade e o desejo de manter o equilíbrio até o fim da jornada; no segundo, como quem se despede, diz vencer a dor inevitável pelo amor, sua última glória.

É o fim do outono em mim. Chega-me o inverno.
Com as chuvas iniciais virá o frio.
Mas não quero sentir, no mundo interno,
Desolação, desânimo e vazio.

Sem inapetência ter, não me consterno
E à minha cara infância ainda sorrio.
Se para a flor e o ninho ainda suou terno,
Aflige-me o correr do tempo em rio.

Em apreensões o ser quase naufraga,
Tentando equilibrar-se sobre a vaga,
Para atingir triunfante o último porto.

Mas, como antes do inverno, que se instala,
Nada farei sem te escutar a fala,
Querida, ou sem o bem do teu conforto.

(“No limiar do inverno”, p. 107)

AílaSampaio