quinta-feira, 9 de abril de 2009

Personagens em trânsito, espaços subjetivos e intertextos em “A cidade ilhada”, de Milton Hatoum


Queres ser universal, canta a tua aldeia.
Tolstói

Considerações iniciais

Milton Hatoum estreia no gênero conto com A cidade ilhada, mantendo a mesma qualidade estética que consagrou seus três romances: Relato de um certo oriente (1989), Dois irmãos (2000), Cinzas do norte (2005) e a novela Órfãos do Eldorado (2007). A coletânea, lançada recentemente, traz 14 contos, 8 deles já publicados em revistas nacionais e internacionais, reescritos; outros 6 inéditos, mas quem lê não percebe a costura, não imagina peças esparsas, escritas em épocas distintas, tão forte é a marca do estilo de Hatoum, escritor consciente da técnica do conto e do texto literário como trabalho de linguagem. Não há palavras a mais ou a menos em seu discurso. Não há hermetismo nem brechas nas entrelinhas. Com domínio da técnica da superposição, ele constrói histórias paralelas, desdobradas em frações de tempo diferentes, funde-as sem que o leitor perceba que só há um final. Seus personagens puxam o fio do passado e presentificam-no... vivem quase todos a recompor recortes de sua história, num constante retorno à terra natal e ao que foram outrora.

Personagens em trânsito

Manaus, visitada por estrangeiros e sempre revisitada pelos nativos que vêm e vão, é ponto de partida e chegada, na verdade um microcosmo do universo em que se movimentam os personagens dos contos de “A cidade ilhada”, seres enraizados, mas permanentemente em trânsito no espaço e no tempo. Rio de Janeiro, Paris, Palo Alto, Berkeley, Barcelona, Bombaim e a capital amazonense são cenários móveis, transitórios como as vidas que neles circulam em torno de uma busca ou para resgatar lembranças. Todos estão à procura de algo que reconstitua ou justifique sua própria existência.

Os nativos, por alguma razão, deixam Manaus e tomam destinos vários, seja por razões políticas: Lázaro e Bárbara ( “Bárbara no inverno”); à procura de trabalho: Porfíria e Miralvo (“Dançarinos da última noite”); em busca de espaço ou por razões não explicadas, como ocorre com o narrador de “Varandas de Eva”, “Uma estrangeira da nossa rua” e “Dois tempos” e com os escritores de “Encontros na península”, “Manaus, Bambain e Palo Alto” e “Dois poetas da província”, bem como com o visitante de “Uma carta de Bancroft”. Nenhum, entretanto, permanece distante por muito tempo; a ideia de retorno está sempre latente, quando não se configura concretamente.
Os que ficam vivem exilados em seu próprio mundo desmoronado, tal é o caso do poeta Zéfiro (“Dois poetas da província”), do comandante Dalberto (“O adeus do comandante”) e do vigia do teatro (“A ninfa do teatro Amazonas”).

Na outra via, Manaus é cenário para a história de vários estrangeiros: a família Doherty (“Uma estrangeira da nossa rua”), que parece viver mudando de país, o biólogo Kazuki Kurokawa, que realiza o sonho de navegar pelo rio Negro, onde, tempos depois, o cônsul do Japão em Manaus faz o ritual para jogar as suas cinzas; o Almirante indiano Rajiv Kumar Sharma (“Manaus, Bambain e Palo Alto”), o cientista Levedan e sua mulher Harriet, que o abandona para ficar com um dançarino manauara (“A casa ilhada”), Armand Verne e Felix Delatour, amigos de Emilie (“A natureza ri da cultura”). De Barcelona, a catalã Victória Soller viaja para encontrar seu amante Soares em Portugal (“Encontros na península”), até desistir de empreender os percursos geográficos e deter-se a voos na obra do brasileiro Machado de Assis.

Em “A natureza ri da cultura”, a narradora fala sobre Armand Verne, um dos amigos da sua avó, “um andarilho que colecionava lendas e mitos da Amazônia. Um homem que se apropriava da cultura dos nativos para salvá-los” (p.100) e, ao referir-se à plaqueta escrita por Delatour, outro estrangeiro amigo da família, intitulada “Voyage sans fin”, dá bem a significação do personagem-viajante: “A viagem permite a convivência com o outro, e aí reside a confusão, fusão de origens, perda de alguma coisa, surgimento de outro olhar. Viajar, pergunta o personagem de Delatour, não é entregar-se ao ritual (ainda que simbólico) do canibalismo? Todo o viajante, mesmo o mais esclarecido, corre o risco de julgar o outro. Consciente ou não, intencional ou superficial, tal julgamento quase sempre deforma o rosto alheio, e esse rosto deformado espelha os horrores do estrangeiro. Nesse convívio com o estranho, o narrador privilegia o olhar: o desejo de possuir e ser possuído, a entrega e a rejeição, o temor de se perder no outro”. (P.101). Delatour desaparece após subir o rio Negro até a fronteira da Colômbia. Já o cientista Levedan, pesquisador renomado de espécies de peixes, retorna a Zurique sem a mulher Harriet, que se apaixona por um dançarino (“A casa ilhada”) e fica morando em Manaus, num bangalô sobre as águas, a casa ilhada, onde Levedan, anos depois volta, para uma visita misteriosa.

Os Intertextos

A errância dos persanagens, física e existencial, atinge contornos estéticos quando se dá dos romaces para o conto e, até, de conto para conto. Essa intertextualidade homoautoral, ou seja, a utilização de recorrências espaciais, temáticas e de personagens, além de dá unidade ao projeto ficcional de Hatoum, dá ao leitor a impressão de que esses personagens têm existência real, não são meros seres de papel escondidos atrás das palavras quando se conclui a leitura da obra. Lavo (Olavo), narrador de Cinzas do Norte, é também narrador de três dos contos da coletânea: “Varandas de Eva”, “Uma estrangeira da nossa rua” e “Dois tempos”. Em nenhum deles está o seu nome, mas ele pode ser identificado facilmente por quem leu o romance, porque aparece com as mesmas características, inclusive tendo ao lado os tios Ran (Ranulfo) e Mira (Ramira), também ‘trasplantados’ do romance, com os mesmos traços e a mesma postura. Nas três narrativas, tem-se enredos cíclicos, com predominância do discurso indireto-livre; o personagem está voltando a Manaus e lá rememora passagens de sua vida.

Em “Varandas de Eva”, o narrador (Lavo), adulto, recorda o passado e a primeira visita que fez ao bordel da cidade, financiada pelo tio, na companhia dos amigos Minotauro, Gerinélson e Tarso. Este último, o mais pobre do grupo, acaba evadindo quando já na entrada da casa vermelha. Só anos depois, o amigo descobre o motivo: a mãe dele (Tarso) era uma das prostitutas, exatamente a moça com quem ele (Lavo) dormiu e por quem tanto procurou em vão. Essa revelação, no entanto, é sugerida pelo narrador, “cuja memória abre brechas para recompor aquela noite” ao ouvir a ‘voz meiga e firme’ da moça do balneário. Um indício, somente, coloca o fato no plano da sugestão, tirando a certeza do leitor: “Por assombro, ou magia, o rosto dela era o mesmo, não envelhecera” (p.14), o que nos faz supor que o tempo da memória pode equivocar-se, haja vista a impossibilidade física de as feições não se modificarem com a passagem do tempo cronológico.

No conto “Uma estrangeira da nossa rua”, é o mesmo personagem que, ao retornar de São Paulo à sua cidade, encontra a casa azul, o bangalô que ficava defronte a do seu tio, em ruínas. Lembra-se de Lyris e sua família estrangeira, que “vivia em outro mundo”. Reaparecem o seu tio, com as mesmas características de solteirão conquistador, “apenas mais tosco e bruto, andava nu pela casa”, e, Mira, sua tia, dona de casa sempre à espera. Ao rememorar a paixão de sua juventude por Lyris, o narrador conclui que o fracasso no amor “não é atributo apenas da juventude”, como a registrar que em sua trajetória à maturidade continua a experimentar dissabores no plano sentimental (p22).

No conto “Dois tempos”, também ele narra seu retorno a Manaus, seu encontro com a amiga Aiana que o interpela para perguntar se lembra da professora Tarazibula Steinway. Ele recorda as aulas de piano que frequentavam juntos, há muitos, anos e o concerto a que assistiu, junto com o tio: a platéia quase vazia, mas a pianista tocando gloriosa. Volta à realidade quando, levado pela amiga, se vê no velório da professora, onde encontra, desolado, o seu tio Ran.

Esses três contos, recortes de momentos da vida do narrador, poderiam perfeitamente ser capítulos de um romance, pois, embora tenham existência independente, dialogam entre si, ampliando já o diálogo que mantêm com o romance Cinzas do Norte. O concerto da professora Steinway que o narrador conta ter visto com o tio, no conto “Dois tempos”, é referido por ele em “Uma estrangeira da nossa rua”, quando relata um dos seus raros encontros com sua vizinha Lyris.

Essa técnica da intratextualidade, bem utilizada por Machado de Assis, está também presente em “A natureza ri da cultura”, cuja narradora é a mesma de Relato de um certo oriente, na mesma situação de rotorno à casa da avó Emilie.
As influências de Hatoum são nítidas e até declaradas. Leitor de Tchekov, assume a assimilação do estilo, a maneira de tensionar o tempo todo os personagens, as situações e os conflitos. Júlio Pimentel Pinto, em resenha sobre esse novo livro, viu mais: “embora os ecos de Guimarães Rosa, Machado de Assis ou Borges não sejam propriamente surpreendentes, eles agora parecem mais explícitos. Borges especialmente parece acompanhar cada linha do conto-título ou de “A natureza ri da cultura”. Machado, por exemplo, ilumina a pista de “Dançarinos na última noite”. E Cortázar, que ainda não havia aparecido, ressoa por trás da melhor narrativa: “Bárbara no inverno”.

Além do diálogo com os estilos, ele intertextualiza, também, obras e histórias, como ocorre no conto “Uma carta de Bancroft”, em que o narrador colocar a última passagem da vida do escritor Euclides da Cunha, em forma de sonho premonitório do próprio Euclides, personagem. Mais claramente é o intertexto do conto “Encontro na Península”, escrito para um simpósio internacional sobre Machado de Assis no Masp, para o qual Hatoum foi convidado a fazer uma saudação ao Machado, e, em vez de fazer algo solene, leu o conto, que ele mesmo define como “machadiano", pois é cheio de referências à obra dele.

No conto, um escritor inédito, morando em Barcelona, arranja emprego para dar aulas de português a uma viúva catalã obstinada em conhecer a obra de Machado de Assis. Ela procura identificar, nos contos ou nos romances dele, um personagem idêntico ao seu cínico ex-amante português, que desfazia o valor do escritor carioca para elevar o de Eça de Queirós. Enquanto se desdobram as duas histórias: a do professor/escritor com a viúva Victória nas aulas e a dos amantes Victória e Soares, este casado com uma senhora bem mais velha, Hatoum ‘brinca’ com o estilo machadiano e constrói, em Soares, um personagem típico do bruxo. E o leitor fica tão intrigado como Victória Soller: de que obra de Machado saiu o Soares?

O jogo verdade X ficção

Seria ingenuidade imaginar que Hatoum escreveu contos autobiográficos porque são narrados, preferencialmente, na 1ª pessoa. O narrador-personagem não é necessariamente o autor. Todo texto em 1ª pessoa tende, naturalmente, a parecer um relato memorialístico. E o é. Na verdade, são as memórias do narrador, ser fictício, a quem o criador empresta sua visão de mundo, vivências, traços seus, que deixam de ser reais para constituirem a suprarrealidade. Antônio Cândido (1976 p.26) diz, a esse respeito, que “na ficção narrativa desaparece o enunciador real. Constitui-se um narrador fictício que passa a fazer parte do mundo narrado”.

O fato de Hatoum circunscrever suas narrativas ao universo de uma cultura que é a sua de origem dá essa idéia de autobiografia e talvez isso seja intencional, mas não quer dizer que seus personagens sejam ele. Seus personagens “atingem uma validade universal que em nada diminui a sua concepção individual” (CÂNDIDO, 1976 p.46). Se observarmos, todos os enredos surgem inicialmente de uma lembrança do narrador. A realidade passa a ser manipulada por um resgate do passado – tempo que tem mais força realizadora que o presente - e que François Mauriac considera o grande arsenal de onde o narrador extrai os elementos da invenção, o que confere “ambiguidade às personagens, pois elas não correspondem a pessoas vivas, mas nasce delas”. De fato, Hatoum faz o que diz Mauriac: avulta a fixação do espaço, dos ambientes familiares, mas “no que toca às personagens, reproduz apenas os elementos circunstanciais (maneira, profissão etc); o essencial é sempre inventado” (apud CÂNDIDO, 1976 p.67).

As narrativas carregam um sentido de verdade muito intenso e isso é possível porque há um jogo verdade X ficção que enreda o leitor. Hatoum gosta do personagem escritor, de reproduzir os cenários de sua terra, mas seu trabalho criador não se restringe à memória, ele a combina com sua capacidade observadora e inventiva, combina-as “sob a égide de suas concepções intelectuais e morais” e nem ele, certamente, saberia dizer em que proporção utiliza cada um, pois, como assegura Cândido (!976 p.74) “esse trabalho se passa em boa parte nas esferas do inconsciente e aflora à consciência sob formas que podem iludir”.

No conto “Uma carta de Bancroft”, o narrador consegue criar uma acentuada ilusão da verdade: “Encontrar esse carta inédita em Bancroft, com a caligrafia nervosa de Euclides, é quase um milagre... só vim a Bancroft para ler uma carta amazônica do autor d’Os sertões” (“Uma carta de Bancroft” p. 26). A suposta carta de Euclides da Cunha ao amigo Alberto Rangel, segundo o relato, conta, entre outras coisas, um sonho em que um militar é morto pelo amante da esposa, um dado biográfico de Euclides. Como para dar ainda mais uma conotação de verdade, o conto termina com a seguinte observação: “Sabemos, enfim, que não há menção dessa carta na vasta correspondência de Euclides da Cunha. Em 1946, ela foi adquirida por um certo Charles P. Dutton num alfarrabista de Belém e doada três décadas depois Biblioteca de Bancroft, em Berkeley”. Por que não há menção dessa carta na vasta correspondência de Euclides da Cunha? O que o narrador quer dizer com essa observação? Aí está o jogo: não consta, por que está na Biblioteca de Bancroft ou... não consta, simplesmente, por que a carta não existe, é uma criação do ficcionista.

Em “A natureza ri da cultura”, a narradora fala sobre Delatour, e diz que o narrador da história da plaqueta escrita por ele, com o título “Voyage sans fin”, quando fala no porto De Cancale, na Bretanha, de onde parte o personagem-viajante do livro, inventa uma linguagem que ela, a leitora, não consegue entender: “Lembra a voz de um louco vociferando em vária línguas”. Após o término do conto, há uma nota de rodapé com o seguinte esclarecimento: “Nessa passagem do texto de Delatour, a linguista Odette Lecure encontrou referências dialetais usadas por índios e caboclos do Amazonas.” (p.102). Então a tal plaqueta existe e foi consultada por uma linguista; então Delator e a narradora, que estudou francês com ele, também existiu de verdade? Hatoum é consciente desse jogo e dos seus efeitos, não foi à toa que disse, numa entrevista: “Há, pois, essa fluidez, essa vontade de mentir: é o menti vrai de que fala Vargas Llosa em seus ensaios”.

De fato, Felix Delatour existe. Informa-nos o crítico José Castello: “é um professor bretão, circunspecto e quase albino que vive escondido em um sobrado de Manaus. Ele sofre de uma trágica doença que praticamente o imobiliza: o gigantismo. Sobrevive, em seu abafado exílio, ministrando aulas de francês. Em sua sala, despida de qualquer lembrança do passado europeu, há apenas uma mesa de madeira e duas cadeiras de vime. Do lado de fora, com suas ondas de calor e nuvens de mosquitos e sempre indiferente aos requintes da língua, está a Amazônia”. Então Delatour não desapareceu pelo rio Negro? É também real a plaqueta “Voyage sans fin”, cuja referência bibliográfica está em nota-de-rodapé no conto? Ou essas são outras artimanhas narrativas para acirrar a ambivalência verdade X ficção?

A subjetividade dos espaços

O espaço predominante na obra não é físico, não é Manaus, a cidade localizada geograficamente no norte do Brasil, embora haja notações explícitas do nome dos lugares, é o passado constantemente evocado. É o espaço da memória. Para Bachelard, nós nos conhecemos mais no espaço que no tempo, "nos espaços de estabilidade do ser, de um ser que não quer passar no tempo". Ao querermos "suspender o vôo do tempo", servimo-nos do espaço, que "em seus mil alvéolos, retém o tempo comprimido" (BACHELARD, 1974 p. 362).

É assim que se comportam os personagens dos contos de “A cidade ilhada”, vivendo o mito do eterno retorno, numa tentativa de encontrar no passado a estabilidade que o presente não garante. Eles estão sempre recusando o ‘tempo histórico’ e voltando à nostalgia do tempo de suas origens, da infância, quando ‘eram felizes e não sabiam’. O próprio Hatoum já disse que “a tentativa de um retorno à terra natal só é possível através da linguagem: ‘instância poética da recordação que comemora’. ‘A lembrança, afirma o filósofo Benedito Nunes, cria a proximidade com as coisas, chamando-as à presença, desvelando-as na linguagem’”. Ele, Hatoum, crer ser esta a viagem mais fecunda: “o movimento da palavra poética rumo à origem”.

Os lugares, tão constantemente evocados, constituem espaços subjetivos carregados de valores. A maioria dos personagens não vive uma situação estável, ao contrário, vive deslocamentos: para o rio Negro, para o lago de Ubim , Paris, São Paulo, Rio, Bancroft, Berkeley, Barcelona, em situação de viagem, movimento, vivendo a possibilidade de expansão do pensamento e do olhar, modificando a percepção de espaço e tempo, confirmando o que diz Delatour, em “A natureza ri da cultura”: “a viagem, além de tornar o ser humano mais silenciosa, depura o olhar” (p.100).
Embora ‘soltos’ pelo mundo, os personagens de “A cidade ilhada”, com exceção dos estrangeiros, são, como já falamos anteriormente, seres enraizados, de modo que experimentam o deslocamento geográfico, o distanciamento da terra de origem, mas dela não se afastam propriamente, como bem traduzem as palavras do narrador de “Uma carta de Bancroft” (p. 26) “... para onde vou, Manaus me persegue, como se a realidade da outra América, mesmo quando não é solicitada, se intrometesse na espiral do devaneio...”. As experiências fora do espaço de origem, que é subjetivamente “o estar no mundo”, são necessidades de expansão do ser. É, ainda, Bachelard quem diz que “é pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências”. Entretanto as viagens surgem como um forma de lembrar que “o mundo se apresenta com uma nova face cada vez que mudamos a nossa perspectiva sobre ele”. (DUARTE Jr., 1984, p.11).

Esse olhar para fora de casa, o movimento de evadir-se da própria terra, ocorre para que possa haver o retorno, pois o inconsciente permanece nos locais. As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem espacializadas (BACHELARD, 1974). Manaus é, pois, um lugar subjetivo de partida e chegada, nunca de permanência, a não ser como espaço de memória, de apego ao que foi e não mais pode ser, mas fica para sempre, como traduzem os versos de Álvaro de Campos: “O que eu sou hoje é terem vendido a casa, / É terem morrido todos,/ É estar eu sobrevivente a mim-mesmo/ como um fósforo frio...”


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BACHELARD, Gastón. A poética do espaço. Tradução de Antonio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. São Paulo: Abril Cultural, 1974 (Coleção Os Pensadores).
CÂNDIDO ET AL. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1976
CASTELLO, José. ‘Benedito Nunes ensina o caminho de volta’. In: Jornal da Poesia http://www.revista.agulha.nom.br/castel06.html . Acesso em 19/03/2009.
DUARTE, F., Jr. O que é realidade? São Paulo: Brasiliense, 1984.
ELIADE, Mircea. Cosmos e História: O mito do Eterno Retorno. Princeton, 1954.
HATOUM, Mílton. A cidade ilhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009
_____________ Cinzas do Norte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005
_____________ Relato de um certo oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 1989