quinta-feira, 8 de maio de 2014

Orates: hibridismo e subversão







Orates (Contos Clínicos), coletânea de contos vencedora do Prêmio de Literatura Unifor 2013, a partir do título, desenreda-se de qualquer compromisso como o que se toma como modelo de ‘normalidade’; após a leitura, comprova-se que a obra subverte também as  convenções estéticas  inerentes ao gênero conto, quando consideramos os cânones tradicionais. O leitmotiv? A loucura. O que me fez, de imediato, lembrar o conto O alienista, de Machado de Assis. Mais ainda o romance A Lua vem da Ásia, do mineiro Campos de Carvalho.

Mas o estilo do psiquiatra (também mineiro) Musso Garcia Greco é diferente do dos dois autores citados. Orates é uma obra híbrida e bem poderia servir à montagem de um happening, haja vista a iminente possibilidade de representação de seus textos: há relatos, referência a MPB, páginas de diário, postais, cartas, telegramas, entrevista, imagens, peça teatral, uma miscelânea de narrativas curtas envolventes sobre seres desajustados, loucos, esquizofrênicos, mortos que falam, suicidas, homossexuais, mendigos, enfim, ‘pessoas’ em situações fora dos padrões considerados ‘normais’ pela sociedade.

A obra tem um projeto estético definido pela pluralidade, uma linguagem enxuta e uma dicção própria. Os temas, embora mergulhados na mundividência psiquiátrica, não limita o leitor ao microcosmo desse universo de desequilíbrio psíquico. Estamos todos inseridos num contexto de individualidades extraviadas e nos identificamos com o que lemos, como se fôssemos participantes do mesmo espetáculo, pouco importando a fronteira entre a verdade e a ficção quando, no final, lemos os relatos de “Consultório”. Preciso das palavras de Nietzsche para dizer que não senti nenhum estranhamento; tudo é “humano, demasiado humano”!

As referências presentes na obra mostram as fortes influências das leituras feitas pelo autor, que passam por Gautier, Clarice Lispector, James Joyce e se consolidam em  Antonin Artaud, Anais Nin, Ovídio, entre outros tantos autores. Sua inspiração, sobretudo, esteve nos hospícios, nas ruas, nos muros grafitados, nas calçadas, nos lixões. As histórias trafegaram por muitas veredas até ganharem os contornos que aqui tiveram. Na última parte do livro, em “Apropriações”, ele revela os caminhos percorridos e nos dá todas as fontes.

Se, de fato, a criação literária une seres reais e irreais, tirados da observação, da memória e da imaginação do escritor, através do jogo com as palavras e das técnicas de estilo, nas mãos de Musso Garcia Greco ela vai além, pois consegue o mergulho no mundo psíquico dos excluídos da razão, dos arrancados de si mesmo, e faz, no dizer de Michel Foucault, “a loucura desenhar uma silhueta bem familiar na paisagem social”. Daí essa densidade de Orates, essa qualidade estética que o fez fazer jus ao Prêmio de Literatura Unifor 2013.





Aíla Sampaio