Orates (Contos
Clínicos), coletânea de contos
vencedora do Prêmio de Literatura Unifor 2013, a partir do título,
desenreda-se de qualquer compromisso como o que se toma como modelo de ‘normalidade’;
após a leitura, comprova-se que a obra subverte também as convenções estéticas inerentes ao gênero conto, quando consideramos
os cânones tradicionais. O leitmotiv? A loucura. O que me fez, de
imediato, lembrar o conto O alienista,
de Machado de Assis. Mais ainda o romance A
Lua vem da Ásia, do mineiro Campos de Carvalho.
Mas o estilo do psiquiatra (também mineiro) Musso Garcia Greco é
diferente do dos dois autores citados. Orates
é uma obra híbrida e bem poderia servir à montagem de um happening, haja
vista a iminente possibilidade de representação de seus textos: há relatos, referência
a MPB, páginas de diário, postais, cartas, telegramas, entrevista, imagens,
peça teatral, uma miscelânea de narrativas curtas envolventes sobre seres desajustados,
loucos, esquizofrênicos, mortos que falam, suicidas, homossexuais, mendigos,
enfim, ‘pessoas’ em situações fora dos padrões considerados ‘normais’ pela
sociedade.
A obra tem um projeto estético definido pela pluralidade, uma linguagem
enxuta e uma dicção própria. Os temas, embora mergulhados na mundividência
psiquiátrica, não limita o leitor ao microcosmo desse universo de desequilíbrio
psíquico. Estamos todos inseridos num contexto de individualidades extraviadas
e nos identificamos com o que lemos, como se fôssemos participantes do mesmo
espetáculo, pouco importando a fronteira entre a verdade e a ficção quando, no
final, lemos os relatos de “Consultório”. Preciso das palavras de Nietzsche
para dizer que não senti nenhum estranhamento; tudo é “humano, demasiado humano”!
As referências presentes na obra mostram as fortes influências das
leituras feitas pelo autor, que passam por Gautier, Clarice Lispector, James
Joyce e se consolidam em Antonin Artaud, Anais Nin, Ovídio, entre
outros tantos autores. Sua inspiração, sobretudo, esteve nos hospícios, nas
ruas, nos muros grafitados, nas calçadas, nos lixões. As histórias trafegaram
por muitas veredas até ganharem os contornos que aqui tiveram. Na última parte
do livro, em “Apropriações”, ele revela os caminhos percorridos e nos dá todas
as fontes.
Se, de fato, a
criação literária une seres reais e irreais, tirados da observação, da
memória e da imaginação do escritor, através do jogo com as palavras e das
técnicas de estilo, nas mãos de Musso Garcia Greco ela vai além, pois consegue
o mergulho no mundo psíquico dos excluídos da razão, dos arrancados de si mesmo,
e faz, no dizer de Michel Foucault, “a loucura desenhar uma silhueta bem
familiar na paisagem social”. Daí essa densidade de Orates, essa qualidade
estética que o fez fazer jus ao Prêmio de
Literatura Unifor 2013.
Aíla Sampaio
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