quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O amor irrealizado em Álvares de Azevedo

Introdução

Este trabalho pretende analisar a poesia de Álvares de Azevedo, buscando em seus textos indícios de sua possível irrealização amorosa, já que, na maior parte deles a mulher figura como objeto de incontido desejo, sempre, porém, num plano de alcance inatingível.

Tão nítida parece a sua irrealização que a crítica muito investiu na sua interpretação, sem chegar, entretanto, a um consenso sobre suas motivações. Mário de Andrade, no ensaio Amor e medo (1974 pp.197-229), afirmou que o poeta repugnava o amor carnal por causa de sua fixação amorosa na imagem da mãe, por quem tinha um amor anormal. Vera Pacheco Jordão (S/D, 3-21) no texto Maneco, o byroniano, fala que a influência byroniana veio em função de sua necessidade de esconder os fracassos íntimos, acrescentando, ainda, a sugestão da repugnância ao amor físico. Carlos Dante de Morais (1906 p.3-63), no entanto, vê sob outra perspectiva essa falta de realização: em vez de repudiar o amor carnal, o poeta tinha uma verdadeira obsessão por ele, pois a sua poesia mostra um ardente temperamento sensual; opinião parecida com a de Silvio Romero (apud JORDÃO, S/D p.11), para quem o poeta morreu impossibilitado de conhecer um amor sério.

Como as poesias de Álvares de Azevedo são, em grande parte, confessionais, percebemos nelas alguns testemunhos dele próprio sobre sua vida, seus desejos e frustrações, o que nos instigou a perquirir se essa irrealização no amor procede ou constitui apenas mais um tema de sua poética ultra-romântica. Iniciaremos a análise pela constante alusão à mulher adormecida, inatingível, portanto, e daremos seqüência com a compilação de textos que nitidamente revelam os anseios de um homem para quem o amor não ultrapassou a dimensão platônica.

A mulher adormecida

A idealização é uma característica marcante da estética romântica em todos os níveis: o índio celebrado não era o índio selvagem das matas coloniais, era o herói, o “cavaleiro medieval” que não tivemos; o sertanejo que povoa muitos romances da época está longe de corresponder ao da nossa realidade; a natureza exuberante de um país sem mazelas foi cantada idealmente, enfim, tudo aparecia como deveria ser, não como era. A segunda geração romântica levou essa característica às últimas conseqüências e, no ultra-romantismo em que talhava seus versos, erigiu a figura da mulher perfeita, intocada, bela e inatingível. Álvares de Azevedo não ficou à margem dessa tendência, ao contrário, construiu uma poética do amor à mulher, cuja presença é sempre clamada, idealizada, sem qualquer dado concreto que possa materializá-la.

O seu clamor não era apenas pela presença física, mas por um sentimento individualizado que, através dela, invadisse-o e preenchesse seu mundo feito apenas de meras divagações. A história dos seus amores está sempre vinculada ao amor platônico; não se sabe de uma paixão real, plenamente vivida. Constam nomes de mulheres em seus poemas, mas nenhum constitui a chave deles.

Entre as mulheres constantemente evocadas está a mulher adormecida. Talvez por influência de Musset, como assinala Carlos Dante de Morais (1906 p.39), mas acreditamos que, sobretudo, pela falta de correspondência que a imagem suscita. Ele pode, assim, amá-la sem o medo de não ter retorno, sem a necessidade de ter que olhá-la nos olhos.

Neste fragmento do poema Idéias íntimas, ele se inspira na gravura estática de um quadro:

Em frente do meu leito, em negro quadro,
A minha alma dorme. É uma estampa
Da bela adormecida. A rósea face
Parece em visos de um amor lascivo
De fogos vagabundos acender-se...
E com a nívea mão recata o seio...
Oh! Quantas vezes, ideal mimoso,
Não encheste minh’alma de ventura,
Quando louco, sedento e arquejante,
Meus tristes lábios impimi ardente
No poento vidro que te guarda o sono!

Em seus momentos de lascivos desejos, contentava-se em beijar uma imagem congelada sob um vidro. No entanto, não se trata apenas de um momento de carência de um adolescente. Há toda uma simbologia que perpassa o seu desejo nunca satisfeito de amar.

A solidão espreitava-o e sua fragilidade física impossibilitava uma mudança de situação. Daí o sonho como evasão; daí o mundo de devaneios, onde o amor emergia dos seus desejos. E a mulher era a principal personagem, ainda que inatingível, estática, incomunicável.

E, por ela encontrar-se sempre ausente no plano físico, a sua imaginação a resgatava e o fazia envolver-se em simples contemplação. Vejamos este poema sem título, cuja epígrafe Dreams! Dreams! Dreams! (W. Cowper) já mostra o plano em que se realiza:

E quando eu te contemplo adormecida,
Sôlto o cabelo no suave leito,
Porque um suspiro tépido ressona
E desmaia suavíssimo em teu peito?

Virgem do meu amor! No teu silêncio
O meu peito se afoga de ternura,
E sinto que o porvir não vale um beijo
E o céu em teu suspiro de ventura!

A ausência de uma reação dela, que ele tenta buscar no suspiro que lhe afoga o peito, é que o leva a contemplá-la. Ele a coloca como mais cara que o porvir do céu, algemado por um sentimento unilateral.

Como falamos anteriormente, a mulher adormecida guarda toda uma simbologia: nos seus versos ela dorme impassível, não dá retorno aos seus desejos. Na sua vida não foi diferente; a mulher concreta não apareceu para ouvir as suas súplicas ou envolvê-lo em seus braços. A sua poesia é, pois, marcada pela presença-ausência vivenciada. Através dela, ele reproduz a sua “realidade imaginária”.

Observemos como no poema Teresa a sua coragem de manifestar-se emerge quando não há o risco de correspondência:

Não acordes tão cedo! enquanto dormes
Eu posso dar-te beijos em segredo...
Mas, quando nos teus olhos raia a vida,
Não ouso te fitar...eu tenho mêdo!

Enquanto dormes, eu te sonho amante,
Irmã de serafins, doce donzela;
Sou teu noivo... respiro em teus cabelos
E teus seios venturas me revela.

A proximidade física do corpo da mulher acende o seu ímpeto de tocá-la, beijá-la, tê-la como sua, mas ela está impossibilitada de corresponder aos desejos dele. Nestes fragmentos, ele se confessa imensamente tímido, prefere adorá-la em segredo a ter que demonstrar os seus sentimentos, embora viva tudo o que deseja em pensamentos.

Só através do sonho o poeta é capaz de ter a mulher desejada no seu leito e chega a se ressentir quando o sonho termina:

Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?

No meu leito – adormecida,
Palpitante a abatida,
A amante de meu amor!
Os cabelos rescendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!

Nem no sonho a mulher é amante dele enquanto homem, mas do seu amor. Ele faz questão de alimentar-se de ilusões, de mantê-la dentro de uma redoma. Em Anima Mea ele pede que a mulher durma para tornar possível a sua viagem por um momento de amor:

Tudo dorme, não vês? dorme comigo
Pousa na minha tua face bela
E o pálido cetim da tez morena...
Fecha teus olhos lânguidos...no sono
Quero sentir os túmidos suspiros,
No teu seio arquejar, morrer nos lábios.

E no sono teu abraço me enlaçando!
Ó minha noiva, minha doce virgem,
No regaço da bela natureza,
Anjo de amor, reclina-te e descansa!

O poeta encontra sensualidade na imagem da musa adormecida, nos seus olhos lânguidos, no arquejar do peito emitindo suspiros que morrem nos lábios, mas não ultrapassa o carinho inocente.

No fragmento do Soneto abaixo transcrito, podemos visualizar a atmosfera de sublimidade em que ele a envolve, num clima de verdadeira adoração:

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flôres reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!


O soneto termina com a sugestão de forte erotismo, ele celebra a mulher seminua em seu leito, mas não concebemos essa carga erótica como derivada de um amor vivido. Na realidade, o seu amor parece mais visual do que tátil. Os seus sonhos sempre alcançam a imagem ansiada; as suas mãos, não. A distância aparente em que ele se encontra do objeto adorado é a mesma da de uma pessoa que vislumbra algo preso em uma redoma, embora o possua em sua imaginação.

A pureza com que ele reveste a alma feminina faz com que nos versos de Cantiga ela pareça saída de um conto de fada.

Era um castelo doirado
Dorme encantada donzela;
Nasceu e vive dormindo
-Dorme tudo junto dela.

Adormeceu-a sonhando
Um feiticeiro condão,
E dormem nos seios dela
As rosas do coração.
............................
A donzela adormecida
É a tua alma santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amôres da minha.
............................
Acorda minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morremos num beijo,
Acordamos no céu.

A mulher aparece nestes versos como prisioneira do sono. É a donzela de alma límpida, santa, mais uma vez alheia aos sentimentos do poeta. Pela primeira vez ele pede que ela desperte para ver a vida. Há uma identidade entre eles, como se eles comungassem da mesma inocência. Ele, igualmente, não soltou ainda os véus da infância, não perdeu a sua pureza.

Apesar na fixação pela presença feminina, Álvares de Azevedo parece só ter conhecido dela a ausência. Não se aventurou a desvendar o enigma que lhe parecia a mulher, vislumbrou-a apenas de longe; só a possuiu em pensamentos. O rapaz fogoso dos bailes, caricato com os colegas da universidade, na realidade era um jovem tímido, sem autoconfiança e com sérios problemas de saúde; um condenado precoce a quem o tempo não deu a chance de ultrapassar as ilusões da adolescência.

A Irrealização

O desejo de amar é quase obsessivo na poesia de Álvares de Azevedo. A sua ânsia de viver intensamente transparece uma forte necessidade de doação e aquisição do bem mais precioso da humanidade: o amor.

Mas só no plano da fantasia o poeta parece ter tido a mulher amada presentificada. Simulou-a no seu universo como alguém que acaricia com os gestos e beija com os olhos. Nenhuma deve ter passado por suas mãos de homem. A ausência, no entanto, é notificada nos seus devaneios e deixa entrever certa mágoa. Vejamos o seu lamento no poema Idéias íntimas:

IX
Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E em na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!

Há um ressentimento pungente que provém do desejo insatisfeito de amar e ser amado. A sua castidade é revelada numa espécie de lamento. O seu desejo é ardente e ele clama por uma satisfação física:

Oh! nos meus sonhos, pelas minhas noites
Passam tantas visões sôbre o meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu peito com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher...e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso...Que delírios!

A realidade é transfigurada pela imaginação, mas quando o seu corpo reage no anseio de um momento concreto, ele percebe que a realidade predomina e, por vezes, até a ilusão se recusa a socorrê-lo:

Acordo palpitante...inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!

O seu desejo é latente, o que o faz revoltar-se, como nos mostram os próximos versos, ainda de Idéias íntimas:

Ó meus sonhos de amor e mocidade,
Por que ser tão formosos, se devíeis
Me abandonat tão cedo...e eu acordava
Arquejando a beijar meu travesseiro?

Frustrava-o conter os ímpetos juvenis tolhidos pelo sentimento de efemeridade que impregnou a sua vida. Ele demonstra claramente que os sonhos e os desejos carnais o povoam e lamenta por ter que perdê-los antes de realizá-los. Se a sua sexualidade era recalcada como sugere Vera Pacheco Jordão (S/D p.14), certamente não era em função do seu asco pela relação sexual, mas por não ter tido a chance de vivenciá-la. Os versos de Saudades reiteram o fato de o poeta não ter tido muito tempo em vida para encontrar um amor:

Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi,
E às primaveras digo adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!

No mesmo poema, ele afirma tacitamente que não experimentou momentos plenos, só nutriu a ilusão de vivê-los:

Vinte anos! derramei-os gôta a gôta
Num abismo de dor e esquecimento...
De fogosas visões nutri meu peito...
Vinte anos! não vivi um só momento.

Vera Jordão (S/D pp.11-2), ao discordar do crítico Sylvio Romero (apud JORDÃO S/D p.11) quando ele afirmou que o poeta não amou jamais porque não teve tempo nem oportunidade de travar um amor sério, utiliza-se de um argumento racional, esquecendo que a única lei a que o amor não obedece é a da razão. Se Junqueira Freire conseguiu amar tendo vivido apenas dois anos a mais que Álvares de Azevedo, e Casimiro de Abreu aos dezesseis anos já levou para Portugal saudades de um amor, como ela argumenta, isso não corresponde a dizer que o nosso poeta, tendo vivido apenas pouco mais de vinte anos, tivesse encontrado um amor e simplesmente recusado, ou não tivesse tentado encontrá-lo. O amor acontece ou não acontece em qualquer idade; não é algo que possa fazer parte dos planos de uma pessoa. Pode aparecer aos vinte anos, mas não porque tenha que aparecer. Não pode haver uma determinação por que ele é, sobretudo, um sentimento involuntário. O temperamento tímido do poeta e sua doença precoce foram agravantes definitivos para uma vida limitada, sem grandes oportunidades.

Certamente, se Álvares de Azevedo tivesse encontrado um grande amor seria impelido a vivê-lo, independente das forças. Querer, também, sugerir que a sua incapacidade de amar decorre de um amor anormal pela mãe (ANDRADE, 1974 pp.197-229) porque vários dos seus poemas são para ela, é forçar um vínculo incestuoso que os seus versos não trazem. A mãe era, realmente, o seu único referencial de amor feminino realizado, mas ele distingue bem o amor filial que tem por ela do amor desejoso e sedento que tem pelas outras mulheres, ainda que dentro de sonhos inatingíveis.
Em Lembrança de morrer, onde destila sentimentos em relação à própria morte, o lamento pelo fato de deixar a mãe está bem diferenciado da queixa que demonstra levar da vida por não ter tido um amor real. Observemos:

Só levo uma saudade – é dessa sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

A falta que o levaria à saudade da mãe está ligada à necessidade de proteção. Ele se impota com o fato de ela se consumir em preocupações por sua causa e se comove com o sofrimento que a sua morte lhe causaria. O apego que a faz razão de tantos versos do poeta não ultrapassa o amor filial. Quando lastima, porém, por deixar a vida sem conhecer o amor de uma mulher, ele vincula a sua existência ao sonho que acalentou inutilmente:

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei...que nunca
Aos lábios me encostou à face linda!
............................................
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flôres...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amôres.

Ele confessa que viveu da esperança de amar e que se manteve vivo pelo sonho de encontrar a mulher ideal, de tocá-la. A mãe era a mulher real, preenchia outro tipo de carência afetiva.

O poeta aprisionou-se em sonhos, pois a realidade sempre se configurou contrária às suas aspirações. O que era a sua realidade? As febres, o corpo debilitado, as olheiras, a solidão. O próximo fragmento de Idéias íntimas confirmam o que dizemos:

VIII
O pobre leito meu desfeito ainda
A febre aponta da noturna insônia.
Aqui lânguido à noite debati-me
Em vãos delírios anelando um beijo...
E a donzela ideal nos róseos lábios,
No doce berço do moreno seio
Minha vida embalou estremecendo...
Foram sonhos contudo. A minha vida
Se esgota em ilusões.

A ilusão era o seu único alento. Sozinho, como viveu os últimos anos, criou no seu leito o mundo que as suas limitações não o permitiram conhecer

Meu leito juvenil, da minha vida
És a página d’oiro. Em teu asilo
Eu sonho-me poeta, e sou ditoso,
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! Oh! quantas vêzes
Do levante no sol entre odaliscas
Momentos não passei que valem vidas!
Quanta música ouvi que me encantava!
Quantas virgens amei!...

Não tendo realizado os seus desejos carnais (nem sentimentais), Álvares de Azevedo teceu o seu próprio universo, mas não se desvinculou do mundo real. Ele revela, quase ingenuamente, que as mulheres que amou foram criadas pelos seus pensamentos e sonhos, não esconde a irrealização, não mascara o seu fracasso íntimo, destila-o em poesia.

A ausência, em sua vida, era uma falta que habita. O que lhe faltou concretamente foi compensado por sua imaginação prodigiosa, em que desfilavam musas e amores eróticos. É uma inverdade afirmar que ele foi um jovem devasso, cuja vida de orgias levou-o à morte precoce como aconteceu com muitos dos seus contemporâneos. Leiamos suas confissões em 12 de setembro, poema cujo título é a data de aniversário do poeta:

VIII
Passei como Don Juan entre as donzelas,
Suspirei as canções mais dolorosas
E ninguém me escutou...
Oh! nunca à virgem flor das faces belas
Sorvi o mel nas longas despedidas...
Meu Deus! Ninguém me amou!


Como é uma poesia essencialmente confessional, de catarse, a vida do poeta é exposta em cada verso, revelando uma história de privações, frustrações e muita solidão. Como fala Maria José Negrão (1960 pp.7-12), a ausência do amor nos traz a desintegração do mundo e a solidão. Ninguém soube disso mais do que Álvares de Azevedo.


Conclusão


De acordo com o que vimos, podemos concluir que o âmago da criação poética de Álvares de Azevedo foi a sua própria vida. Tão urgentemente quis reproduzi-la em versos, que compôs toda a sua obra consecutivamente nos dois últimos anos de existência. Daí o vocabulário limitado e repetitivo; a temática predominante em torno do amor, do sonho e da morte.

O poeta tinha um grande apego à mãe (extensivo à irmã), devotava-lhe verdadeira adoração. Esse fato, no entanto, não nos parece alusivo à sua irrealização como homem. As criaturas fictícias que povoam os seus versos, avassaladoramente líricos, têm, quase sempre, uma pureza que ele parecia não querer macular. A idealização da mulher, convertida em anjo inatingível, não tem pertinência com a mãe – figura feminina igualmente pura e impossível – é, sim, uma característica marcante da corrente romântica à qual se filiou o poeta.

A irrealização no amor é clara em sua poesia. A imagem da mulher adormecida, constantemente presente, simboliza o plano etéreo, intocável, em que ele a coloca. Não é só o encanto feminino que ele quer realçar; procura uma forma possível de tê-la sob o seu domínio para poder desfrutar dos momentos íntimos que a realidade lhe priva. Desacordada, ela é incapaz de recusá-lo.

A timidez e as limitações físicas decorrentes do seu estado de saúde foram as principais vertentes do seu padecimento íntimo. Sim, o poeta foi um jovem precoce: cedo ingressou na Universidade e na Academia. Mas, como homem, não ultrapassou o adolescente sensível que acreditava no amor perfeito de uma donzela. E, como foi precoce o seu talento intelectual, do mesmo modo foi a sua condenação à certeza de que a morte o espreitava.

Havia em Álvares de Azevedo uma impetuosa vontade de conhecer o sexo. A não concretização do amor carnal, que transparece em muitos dos seus versos, não denota um temperamento recalcado, nem que ele repugnasse o ato. Ele lamenta ressentido, não a sua incapacidade de amar, mas ter envelhecido na idade do amor, não ter tido tempo para experimentá-lo.

Para sublimar a sua irrealização, ele optou pelo sonho, o único plano em que a mulher presentificava-se. Mas a realidade sempre se configurou incontestável e, nem nos seus devaneios, ele ousou tocar no corpo amado ou ir além do carinho inocente. Viveu de desejos; valeu pela poesia!

Bibliografia

ANDRDADE, Mário de. Amor e Medo In: Aspectos da literatura brasileira. 5a. ed. São Paulo: Martins, 1974 pp.197-229
BANDEIRA, Manuel (Org.). Antologia dos poetas brasileiros da fase romântica. 2a. ed. Rio de Janeiro: MEC, 1940.
JORDÃO, Vera Pacheco. Maneco, o byroniano. In: Maneco, o byroniano. Rio de Janeiro: MEC, S/D pp.3-21.
LIMA, Alceu Amoroso et alii (Dir.) Álvares de Azevedo – Poesia. Coleção Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1960.
MORAES, Carlos Dante de. Álvares de Azevedo e o Romantismo. In: Três fases da poesia. Rio de Janeiro: MEC, 1960 pp.3-63.
MOTA FILHO, Cândido. Álvares de Azevedo, o poeta do destino In: O caminho de três agonias. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1944 pp.37-63.
NEGRÃO, Ma. José da T. Estudo crítico In: Álvares de Azevedo - Poesia. Coleção Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1960 pp.7-12.
VERÍSSIMO, José. Os poetas da segunda geração romântica – Álvares de Azevedo In: Estudos de literatura. São Paulo: Brasileira. USP, 1977 pp.37-63

3 comentários:

Tinhu!! Emrich disse...

Muito bom o trbalho

makebelieve =) disse...

Está de parabéns pelo trabalho.

makebelieve =) disse...

Está mesmo de parabéns pelo trabalho!