terça-feira, 30 de outubro de 2007

Uma Leitura de Estorvo, livro de Chico Buarque de Hollanda

Uma Leitura de Estorvo, livro de Chico Buarque de Hollanda


(Material de apoio para o Vestibular da UFC/2003)



DADOS SOBRE O AUTOR:

Francisco Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro em 1944. Cantor e compositor, publicou as peças Roda Viva (1968), Calabar (1973), Gota D’água (1974) e Ópera do Malandro (1979). Publicou quatro romances: Fazenda Modelo (1974), Estorvo (1991), Benjamim (1995) e Budapeste (2003). Influenciado pelas leituras de Flaubert, Céline, Sartre e Camus (cujas indicações foram feitas por seu pai, o historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda), Chico desenvolveu grande interesse pela literatura.

Segundo o jornalista Heitor Ferraz Melo, em artigo para a Revista Cult No. 69, “é impossível comentar os livros de Chico “sem vinculá-los ao período em que foram escritos e, principalmente, à realidade a que fazem referência, mesmo de forma indireta. /.../ Uma hipótese de leitura do conjunto dos três romances... é pensá-los da seguinte maneira: neles estão contidos dois períodos da vida brasileira, os anos 70, sob o regime da ditadura militar (Fazenda Modelo), e os anos 90, com o país já democratizado, porém mantendo internamente as abismais desigualdades sociais (Estorvo e Benjamin)”. Sabe-se que Chico foi um dos músicos mais perseguidos pela censura durante o regime militar, tendo passado, inclusive, longo período exilado. Para driblar essa censura, ele continuava a compor suas músicas de protestos, mas assinava-as com o pseudônimo de Julinho de Adelaide.

OS OUTROS ROMANCES:

Segundo o jornalista Heitor Ferraz Melo, em artigo para a Revista Cult No.69, “é impossível comentar os livros de Chico “sem vinculá-los ao período em que foram escritos e, principalmente, à realidade a que fazem referência, mesmo de forma indireta. /.../ Uma hipótese de leitura do conjunto dos três romances...é pensá-los da seguinte maneira: neles estão contidos dois períodos da vida brasileira, os anos 70, sob o regime da ditadura militar (Fazenda Modelo), e os anos 90, com o país já democratizado, porém mantendo internamente as abismais desigualdades sociais (Estorvo e Benjamin)”. Budapeste enfoca o processo metalingüístico; o escritor e sua produção de encomenda. Obra irônica, que lembra algumas passagens surreais de Campos de Carvalho.

Obras:

Fazenda Modelo (1974) – Novela pecuária. Alegoria do Brasil: no lugar de indivíduos, bois; no lugar do país, uma enorme fazenda. É narrado por um boi e dedicado a uma vaca. Há bastante humor. (Escrito na época da ditadura militar).

Benjamim (1995) – A narrativa tem início com o possível momento final da vida de Benjamim, quando ele vai ser fuzilado por um bando armado (o que se passa apenas em sua imaginação delirante de modelo decadente e envelhecido). Há a presença de fatos reais, como a história de Castana Beatriz, que teria morrido numa emboscada durante o período de repressão e que, na obra, representa a paixão obsessiva de Benjamin, que tenta encontrá-la na corretora Ariela. Destaca-se, também, a história de Alyandro Sgaratti, menino pobre, pequeno marginal das ruas, que acaba virando político.

Budapeste (2003) retoma a narrativa em 1a. pessoa; um escritor anônimo, José Costa, conta sua história ao transitar entre o Rio de Janeiro e Budapeste, onde acaba indo lançar sua autobiografia, que, estranhamente, não foi escrita por ele, embora reconheça nela sua própria história e seu próprio estilo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA

A crítica define o livro Estorvo como uma “alegoria do vazio”, ou seja, uma representação simbólica da total falta de perspectiva do homem contemporâneo, inserido numa sociedade hipócrita, cujos valores se encontram em decadência. “Narrado em primeira pessoa, Estorvo se mantém constantemente no limite entre o sonho e a vigília, projeções de um desespero subjetivo e crônica do cotidiano” (contracapa da 1a. edição). Desprovido de qualquer liame com os valores da sociedade, o protagonista mostra-se desajustado às regras sociais: não se adequa a nenhum emprego, aceita ser sustentado pela mulher, depois pela irmã, não é capaz de administrar os bens da família após a morte do pai. Não valoriza nenhum bem material: perde a mala com suas roupas, tem seu dinheiro roubado, seu sítio invadido, as jóias roubadas são pagas com uma droga da qual ele só pensa em se livrar (não em vender) e, entretanto, ele não reage. Heitor F. de Melo chama atenção para a total atonia do personagem, para a forma como ele é levado pela ação: “É como se ele mesmo não tivesse vontade própria, não tivesse reação racional”. “Sonho ou realidade, o fato é que a história (como a do livro Benjamim) aponta para um mundo impedido, que não consegue superar o passado, onde não há esboço de resistência do sujeito. Os personagens dançam conforme a música, como se tivessem petrificado a individualidade. (Revista Cult). O protagonista de Estorvo sonha em fazer viagens, mas ao mesmo tempo admite que não lhe desagrada “ficar suspenso no tempo”. Ou seja, sua apatia é assumida e quase irreversível. “E o olho mágico que filtra o rosto do visitante misterioso talvez seja a melhor metáfora da visão deformada com que o narrador, e o leitor com ele, seguirá sua odisséia” (contracapa da 1a. edição).

Essa visão deformada, tão bem simbolizada pela imagem através do olho mágico, se coaduna perfeitamente com a imagem do protagonista, que incursiona pelo passado e faz retornos ao presente, mas não se aventura a vislumbrar o futuro, porque não é capaz de enxergá-lo. Segundo o crítico Benedito Nunes, “Seu futuro é a expectativa do pior” (Revista Cult no. 69), como a encenar a falta de projetos da humanidade dos anos 90, que vive imersa num grande vazio. A ausência de nomes, inclusive, mostra que as personagens se irmanam no mesmo universo de seres desajustados, sem rumo e sem individualidade.

A estrutura não-linear traz uma narrativa psicológica e o fluxo se dá não apenas em cima dos fatos, mas sobre e abaixo deles, ou seja, o narrador não conta apenas o que vive ou viveu, confabula, imagina e relata essas confabulações, essas imaginações, (como no momento em que imagina a morte da mãe, asfixiada pelo gás). Está sempre construindo hipóteses, como quando tenta descobrir quem é o homem que o aguarda a frente do olho mágico. Ele foge como a tentar resgatar algum projeto, mas não chega a nenhum lugar, “termina dentro de um círculo vicioso cujo núcleo é tão forte que ele não consegue mais escapulir”. Observe-se que o personagem aparece em constante movimento, revelando “a imobilidade e a impossibilidade de reagir a esse mundo” /.../ ele (como Benjamin) não é responsável pelos próprios atos, é o tempo todo carregado em direção a um destino fatal.

Na fuga (de si mesmo?), o protagonista está sempre voltando aos mesmos lugares “- a casa da irmã, em forma de pirâmide cortada no topo e toda envidraçada, o sítio da família, a uma hora e meia da cidade, que foi tomado por traficantes de maconha –”. Nesse percurso, o livro fixa a complexa imagem do país, leva o leitor a girar por “camadas de uma sociedade degradada e dividida entre os muitos ricos e os que vivem de atividade ilegal ou em torno dele e com proteção da polícia” /.../ O protagonista participa de todos os lados, mas sempre impulsionado pela situação. (Texto base: Revista Cult, No. 69: “Alegorias do Vazio” – Heitor Ferraz Melo).

O TEMPO

Como já se disse, o tempo transcorre na perspectiva psicológica, não assinala nenhuma cronologia. No início, tem-se a impressão de que é uma narrativa cíclica, pois a descrição do homem que aparece pelo olho mágico é idêntica à do delegado que comandará (comandou?) a chacina em seu sítio no último capítulo. Outro indício bem evidente: o apartamento em que ele está no primeiro capítulo seria o que, no final ele pensa em alugar? (Quando minha irmã chegar de viagem, de bom grado me adiantará seis meses do aluguel de um apartamento (p.140)). Seria o mesmo a que ele se refere quando faz confabulações sobre o rosto do homem que tocou sua campainha: (... convertendo-se no proprietário do imóvel que vem cobrar o aluguel. Mas ainda não é sonho e nada devo ao proprietário, pois minha irmã é avalista, adiantou seis meses a título de fiança... (p.29)). No final, entretanto, não se fecha o círculo e a impressão que temos é a de que o narrador morre, não sem antes volta todo o filme: pensa em retornar aos mesmos lugares, ver as mesmas pessoas, fazer as mesmas coisas, para dar ao leitor a certeza de que anda em círculo, sempre, e que não chega a lugar nenhum.

Outro dado curioso: No capítulo 9 ele fica sabendo que a casa da irmã foi assaltada, que ela foi estuprada e que viajou para Paris, para se recuperar. No primeiro capítulo, quando, após ser visitado pelo misterioso homem a quem não quer atender, ele vai à casa de sua irmã, encontra-a olhando fotos da última viagem e infere que as fotos sem pessoas e desfocadas: devem ser fotos do início da viagem, quando ela estava sozinha e emocionalmente abalada (p.16). A indefinição quanto à morte dele, no último capítulo, também é mais um dado para enredar o leitor, que não é esclarecido já que o tempo narrativo é contemporâneo da ação, ou seja, ele narra os fatos na medida em que vão acontecendo, fazendo os flash backs e emergindo dos fluxos de consciência, mas sempre voltando ao seu tempo que é sempre o presente, o que não o impediria de contar a história e depois morrer. Observe-se como se inicia o romance: Para mim é muito cedo, fui deitar dia claro, não consigo definir aquele sujeito através do olho mágico. (p.11) E como termina: Ao subir no ônibus lembro que não tenho dinheiro para a passagem (p.140) – todos os verbos estão no presente do indicativo. No último parágrafo, entretanto, a ação é apenas projetada para o futuro, não se efetiva: Não haverão de me negar uma ficha telefônica na rodoviária. Ligarei para minha mãe, pois preciso me deitar num canto, tomar um banho, lavar a cabeça. Quando minha irmã chegar de viagem, de bom grado me adiantará seis meses do aluguel de um apartamento. Se mamãe não atender, andarei até a casa do meu amigo; ele não se importará de me hospedar até a volta da minha irmã. Se meu amigo tiver morrido, baterei à porta da minha ex-mulher. Ela sem dúvida estará atarefada, e poderá se embaraçar com a visita imprevista. Poderá abrir uma nesga da porta e fincar o pé atrás. Mas quando olhar a mancha viva na minha camisa, talvez faça uma careta e me deixe entrar. (p.140-1). Na fala final, o narrador utiliza os verbos no futuro do presente, colocando os seus desejos no plano hipotético. Teria ele sobrevivido à facada? Seria esse apartamento, que ele pediria para a irmã adiantar o aluguel de seis meses, o mesmo em que ele se encontra no início da narrativa, ao ouvir o toque da campainha? Seria o sujeito que ele se recusa a encarar : sei que era alguém que há muito tempo esteve comigo, mas que eu não deveria ter visto, que eu não precisava rever, porque foi alguém que um dia abanou a cabeça e saiu do meu campo de visão. (p.12) o mesmo que comandou a chacina em seu sítio e, por isso, ele se sente perseguido? Vejamos o que ele disse naquela noite: Encaro o delegado e digo “agora chega”, mas a voz sai tão débil que eu mesmo mal escuto. Talvez ele escute, pois abana a cabeça e sai do meu campo de visão. (p.139). Tudo se alicerça na dúvida, tudo se equilibra no talvez, tudo parece suspenso e sem definição, como a própria vida do personagem.

RESUMO DOS CAPÍTULOS

CAPÍTULO 1

O protagonista, entre o sono e a vigília (como se saísse de dentro de um sonho), escuta o toque da campainha de seu apartamento e se recusa a abrir a porta, pois o rosto que espreita através do olho mágico é de “alguém conhecido mas muito difícil de reconhecer” (p.11). Ele só sabe que é alguém que esteve há muito tempo com ele, mas que ele não gostaria de rever. O homem desiste, toma um táxi e ele, apreensivo, resolve sair e ir à casa da irmã. O novo porteiro do luxuoso condomínio em que ela mora desdenha de sua aparência e, mesmo autorizado pelo interfone, permite sua entrada com má vontade. Após fazer comentários sobre a bela casa da irmã, em forma de uma pirâmide de vidro sem o vértice, encontra-a tomando o café da manhã em um dos jardins de inverno. Ela mostra as fotos da última viagem e ele logo se desinteressa porque “não há pessoas, somente parques, ruas, alguma neve, paisagens repetidas”. Ele percebe que a maioria delas está desfocada (embora ela tenha curso de fotografia), como se ela as tivesse tirado num ato compulsivo. Infere que “devem ser fotos do início da viagem, quando ela estava sozinha e emocionalmente abalada” (p.16). A sobrinha aparece, trata-o de modo estranho, a irmã fala do isolamento da mãe, dize-o que a procure e se retira, após assinar um cheque (para ele). Ele contempla o vulto da irmã, encantado não com o corpo, mas com o movimento dele dentro da roupa. Telefona para a mãe, mas ele atende e fica muda, depois desliga e ele fala sozinho, fingindo para os empregados.

CAPÍTULO 2

Ele chega à rodoviária com quatro maços de notas referentes à troca do cheque dado pela irmã. Sente-se incomodado com o volume deles e passa a andar de um lado para outro enquanto espera o ônibus. Imagina que todos o olham desconfiados e vai esconder-se no banheiro até o momento da saída. Toma o ônibus para o sítio da família, ao lado de um “sujeito magro, de camisa quadriculada” (p.23) que ele diz já ter visto encostado a uma coluna. Desce no “Posto Brialuz” (onde também desce o sujeito de camisa quadriculada) e vai andando em direção à Fazenda. Encontra a porteira aberta e tem a impressão de que “não está entrando em lugar nenhum, mas saindo de todos”. Faz o percurso, esperando anoitecer, chega à casa grande, entra pela cozinha e encontra o velho caseiro, bêbado, que não o reconhece. Ele diz que vai passar uns dias por lá, dá um maço de dinheiro para as provisões, mas o velho se apossa sem compreender, enquanto fala que sua esposa morreu, seus filhos foram embora e que ele está na casa, cuidando dos netos. Relata, também, que o sítio foi invadido por estranhos que estão se apossando de tudo. Ele vai descansar no quarto que era seu e se sente incomodado pela menina que fica espreitando-o e pelo menino que joga video-game. Sente-se dormente, confunde as imagens do jogo com a visita indesejada do homem que vira através do olho mágico, percebe a aproximação da menina e que ela rouba todo o seu dinheiro, mas não têm ânimo para reagir. Entre o torpor do sono e o cansaço da insônia, escuta o barulho de muitas crianças correndo do lado de fora e o motor de duas motos que derrapam em alta velocidade. Ele sai do quarto e é surpreendido pelo terceiro motoqueiro que, junto aos outros, expulsam-no do sítio.

CAPÍTULO 3

O velho arranja dinheiro para que ele retorne à cidade. Da rodoviária ele liga para a mãe e acaba desistindo, porque ela não o atende. Liga para a ex-mulher e a mensagem diz que ela está na Alfândega, a boutique em que ela trabalha num dos Shoopings mais movimentados da zona sul. Ele vai até lá, sente-se marginalizado pelos olhares e é conduzido pela ex até uma pizzaria, onde conversam. Ele revela que está sendo perseguido e ela diz não poder ajudá-lo. Ele diz que vai mudar do quarto-e-sala para um apart-hotel e ela dá a chave de seu apartamento para que ele pegue a mala com o restante de suas roupas. Ele então recorda que foi casado com ela durante quatro anos e meio, que viveram um grande amor; ela arranjava empregos para ele, mas nada dava certo. No último ano ela resolveu trabalhar, ficou grávida e, diante da reação dele, resolveu abortar, o que, certamente, liquidou o amor dela e provocou a separação. No percurso até o apartamento dela, ele visita o bairro vizinho onde morava antes de casar, vai a um bar, não encontra nenhum conhecido e passa ao lado do prédio antigo onde mora seu único amigo, um rapaz de comportamento demais estranho (p,41-1). Pensa em procurá-lo, mas percebe um tumulto em torno do prédio, ver uma mulher (empregada de um dos apartamentos) dando depoimentos sensacionalistas para a TV, exagerando no drama e dizendo que seu filho é inocente. Logo sai o filho dela, um negro gordo, algemado, vestindo apenas uma minúscula sunga, com um sorriso grotesco nos lábios. Depois o corpo do suposto professor de educação física, assassinado por um dos rapazes que freqüentava seu apartamento. Ele contempla a cena de longe, admirando os pés do morto (seriam do seu amigo?), que saltam do lençol. Ao chegar na casa da ex, com a incontida necessidade fisiológica, urina na pia cheia de louças. Resolve tomar um banho que, de tão demorado, inunda todo o apartamento. Apressa-se para encontrar a mala e sair antes que ela chegue e pense que foi tudo de propósito.

CAPÍTULO 4

Ele volta ao sentimento que vive na cena inicial e decide não ficar parado, esperando que “O homem” decida parar de tocar a campainha. Faz confabulações acerca do local em que mora, da família e até do emprego “desse homem”. Tece vários trajetos de perseguições e decide não sair da cama enquanto ele não desistir. Acorda com a chegada da ex-mulher, que chora convulsivamente ao ver a situação em que se encontra sua casa. Ele localiza a mala debaixo da cama, se veste e sai pela rua, andando sem direção. Já é noite e ele não tem compromisso, pode andar até o amanhecer, mas confabula que “um homem sem compromisso, com uma mala na mão, está comprometido com o destino da mala” (p.53). Logo se apercebe de que está na entrada do condomínio da irmã, onde quer deixar a mala, mas é barrado pelos porteiros que se apossam dela. Um carro pára e uma amiga de sua irmã que ele conhecera superficialmente, completamente bêbada e drogada, convida-o para entrar. Lá ele percebe que está havendo uma festa e que os convidados ocupam todo o jardim. Anda por todo o jardim e vai a casa, quando encontra o cunhado, que o apresenta como “artista” aos amigos (que o definem como um “pôrra-loca”) e ouve comentários de que ele deixou o sítio virar um antro de vagabundos e marginais. Ele percorre a casa e pensa em subir a escada e ir ao quarto da irmã sem ser visto, como na primeira vez em que lá esteve. Recorda esse dia, quando lá esteve numa manhã de domingo e a irmã recebia uns amigos na piscina. Após mergulhar, ele entrou na casa e se sentiu atraído pelo quarto da irmã. Foi até lá e se sentiu incomodado com o fato de descobrir que a irmã e o marido dormiam no mesmo quarto. Para não ser surpreendido pela arrumadeira, ele se esconde no closet, vasculha as roupas e os sapatos com os olhos, encontra as jóias da irmã, mas guarda-as de volta nas caixas e vai embora. Retorna ao presente e decide ir até o quarto dela outra vez. A porta está encostada, ele ouve suspiros e imagina cenas lascivas lá dentro; depois percebe que o quarto está vazio e entra, vai ao closet e rouba as jóias. É surpreendido pela amiga dela que acabara de entrar e está se drogando. A amiga tenta seduzi-lo, mas ele foge pela escada. Sai da casa numa kombi junto aos garçons, após receber a gratificação que todos eles receberam, desce no fim da linha e vai à rodoviária.

CAPÍTULO 5

O protagonista retorna ao sítio em um ônibus superlotado, sentado ao lado de um homem morto, do qual ninguém se apercebe. O balanço do carro nas curvas o faz lembrar da infância, quando a família ia ao sítio e ele recorda o cheiro da cabeça da irmã (...já cheirei a cabeça de muitas mulheres e nunca mais senti nada igual (p.65)). Ao abrir a cancela do sítio ele é surpreendido por um “furgão caramelo-metálico, novo em folha, sem placa” (p.67), com dois mulatos gêmeos e um motorista ruivo, que o conduzem à casa de hóspedes do sítio, transformada numa espécie de “oficina mecânica” (supostamente uma oficina de desmanche de carros). Ele é conduzido a um espaçoso trailer (estacionado entre outros seis), que parece funcionar como o escritório da “organização”. Ele mostra as jóias roubadas da irmã e, após ser espancado por um dos bandidos, é recomendado a voltar outro dia (para pegar o pagamento). Ele vai para a casa grande, onde encontra a menina fazendo uma sopa, que logo depois lhe é servida por ela, em meio a uma melodia indefinida sussurrada por ela.

CAPÍTULO 6

Ele acorda com dor de cabeça, por conta da surra que levou dos bandidos (no dia anterior). Tira a garrafa de cachaça das mãos do velho bêbado para fazer bochecho e vê as criança pularem pelas janelas, instigadas pelas ameaças do velho que acordara mal-humorado. Elas se dirigem ao pomar e logo retornam com seus embornais cheios de limões. Ele passa a lembrar do amigo, na última vez em que estiveram no sítio há 5 anos. Ele recorda as conversas sobre poesia, reconstrói a imagem física dele, tentando lembrar seus pés para compará-los aos do rapaz morto no Edifício Continental, mas logo admite que a última coisa que seu amigo seria era professor de educação física. Ele imagina o seu amigo recebendo rapazes, bebendo e lendo poesias e o seu suposto amante irritado, estrangulando-o. Recorda também quando ele (o amigo) disse que ele (o protagonista) deveria renunciar àquela terra e entregá-la aos camponeses; que saíram de carro para a cidade e, sem saber como, foram a uma festa em um apartamento cobertura, onde estudantes de antropologia comemoravam a formatura. Ele lembra que foi apresentado a uma moça, que tentou ensiná-lo uma dança africana e contou que pretendia conhecer o Egito. Embora o amigo não tenha gostado dela, o protagonista casou-se (com ela) no mês seguinte e o perdeu de vista. O velho aparece para quebrar suas recordações e ele passa a pensar no dinheiro que receberá como pagamento das jóias. Pensa em viajar, mas logo admite que não o desagrada ficar “suspenso no tempo” (p.80). Após contar os azulejos da piscina, ele vê o velho lançando cascalhos no bananal e expulsando as pessoas que lá estão. São os camponeses que estão acampados numa parte do sítio e colhem as bananas (?), a despeito dos protestos do velho. Quando ele vai retornar para a casa grande, encontra um dos gêmeos e os cachorros do sítio, que são cuidados pelo neto de velho, e tentam agredi-lo. Em casa, ele vê a menina contemplando o corpo nu do avô, que parece se oferecer para ela.

Ele passa a noite ouvindo um toque de telefone, pensa na irmã, no cunhado, e nas ameaças que os bandidos podem estar fazendo para libertá-lo. A corda e sai a percorrer as trilhas do sítio. Escuta o telefone tocar dentro de um dos treilers e vê um carro de polícia, onde os camponeses descarregam toda a colheita (sacos gordos de lona verde). Desmontam as barracas e o policial (um homem com cara de ex-pugilista) vai embora ao lado do bandido ruivo. À noite, enquanto fica escutando as melodias emitidas pela menina, ele recebe a visita dos gêmeos, que o entregam uma mala cheia de maconha (“grandes camarões” imersos em folhas de bananeira - p.86) como pagamento pelas jóias. Aconselham-no a ir embora e deixam-no no posto para pegar um ônibus para a cidade.

CAPÍTULO 7

Ele passa a noite esperando o ônibus (ao lado de um sujeito magro, de camisa quadriculada), agarrado à mala, que já exala o cheiro da maconha. Quando ele sobe no ônibus, surgem várias crianças com os embornais cheios de limões, entram e sobem no ônibus e ficam fazendo peripécias; inclusive apontando para a mala com olhares provocativos. Na beira da estrada ele vê os tais camponeses, peões do sítio (eles escondem o rosto com aparelhos de rádio, toca-discos, amplificadores, caixas de sons e as barracas p.90) indo embora. Na cidade, ele apanha um táxi e se dirige ao prédio em que a mãe mora, pensando em guardar a mala no guarda-roupa que fora de seu pai e que ninguém mexe. O porteiro o reconhece, deixa-o entrar, mas a mãe não atende ao toque da campainha. Pensa em deixar a mala na porta, mas teme (na sua imaginação) que, ela não aparecendo para pegar as cartas, o porteiro poderá chamar a polícia para entrar no apartamento, depois o corpo de bombeiros e, após encontrarem a mãe suicida (asfixiada por gás) certamente descobrirão o conteúdo da mala.

CAPÍTULO 8

Ele, após ficar horas contemplando o mar, volta para pegar a mala do hall do apartamento da mãe. Percorre o comércio e, quando se apercebe, está dentro de um agência bancária. Tenta disfarçar e segue a irmã de um velho amigo, que é paralítica e mora num prédio decadente. Começa a imaginar que ela e o irmão estão sem dinheiro, porque ele (o irmão) o gastou todo em festas. Segue para o prédio onde mora o seu Amigo, recorda que ele o procurou depois de casado e que sua mulher sempre se irritava porque, ao atender o telefone, ele sempre ficava mudo. Ele pretende deixar a mala com o tal amigo e fugir logo em seguida, com certeza ele (o amigo) irá querer encontrá-lo, mas não conseguirá. Sobe as escadas do prédio e, antes de chegar ao quinto andar, a mala despenca e cai aberta na porta (da cozinha) de um apartamento. Logo é encontrada por uma empregada que grita pelo porteiro. Ele foge e, num torpor, vê o negro que cometeu um assassinato naquele prédio (teria sido do seu amigo?). Vê o movimento da polícia engarrafando o trânsito e todo o tumulto que se formou. Pula o muro de um sobrado em demolição e encontra um homem (que supõe ser um professor que fuma escondido) andando de um lado para outro, acendendo cigarros e olhando as horas. Passa a segui-lo e vão juntos ao Shopping, onde várias vezes ele toca a campainha da loja em que sua ex-mulher trabalha. O vidro da porta acaba explodindo e ele vai embora sem nada ter a falar. Na saída do shopping, vê o seu companheiro ser recolhido por um carro de um sanatório e, ao ser revistado pelos seguranças, é surpreendido pelo carro preto em que anda a amiga de sua irmã, que o leva até a mansão.

CAPÍTULO 9

Ele teme que a amiga da irmã tenha percebido o roubo das jóias na noite da festa, pensa em agarrá-la e seduzi-la para evitar que ela conte tudo, mas, quando se apercebe, já está no jardim do condomínio, ela cheira uma droga e limpa o rosto dele, ferido e cheio dos estilhaços da porta de vidro da loja ( limpa com um absorvente embebido da droga). O cunhado e a amiga da irmã jogam tênis, vão à sauna e ele fica sabendo, por meio de conversas evasivas, que a irmã viajou. Na hora do jantar, o cunhado conta sobre o assalto que houve lá, por isso os empregados estão feridos; que, por não ter os dólares exigidos pelos ladrões, a irmã dele prometeu as jóias. Por não tê-las encontrado, foi estuprada pelos bandidos no chão do closet. Por isso ela está em Paris para se refazer. Por isso a filha deles está ainda mais rebelde.

CAPÍTULO 10

O delegado chega à mansão da irmã e, após tecerem comentários sobre as investigações do assalto (os bandidos foram encontrados numa favela próxima e confessaram o crime), o cunhado encaminha a conversa para a invasão do sítio que a mulher pretende vender. O protagonista pensa que se sua irmã estivesse lá, pediria ao delegado que suspendesse a investigação do roubo das jóias. O delegado o chama e seguem juntos para o sítio. Nas proximidades, o delegado (do Rio) encontra o delegado local, que (o protagonista) ele logo reconhece como o policial que estivera no sítio, outro dia para pegar a “colheita” com os bandidos (é o que tem cara de ex-pugilista).

CAPÍTULO 11

O protagonista segue com o delegado local e é recebido pelos gêmeos e pelo ruivo, que logo perguntam (ao delegado local) pelas jóias. Ele apresenta o protagonista como dono do sítio e todos se surpreendem, pois pensavam que era mais um “pobre-diabo”. O delegado diz que ele não veio para expulsá-los e que trouxe um pessoal de uma “organização” para fazerem negócios. O delegado do Rio entra no trailer, as jóias já estão sobre a mesa, ele as identifica e encontra muita droga. Os bandidos se rendem e saem do trailer, sendo logo em seguida fuzilados pelo delegado local. O delegado do Rio justifica que os bandidos tentaram a fuga. O protagonista pede que parem com a chacina, mas o delegado se recusa. Logo tocam fogo em tudo e ele sai sozinho, em meio à chuva e à lama. Pára em frente ao Posto Brialuz, onde pretende tomar um ônibus para voltar à cidade. Vê o “homem magro de camisa quadriculada” e experimenta um estranho “sentimento de gratidão”. Abre os braços para abraçá-lo e é recebido com o golpe de um “facão de cozinha enferrujado” (p.140). Sangrando, ele sobe no ônibus, pensando em quando chegar à cidade: pedir que a irmã lhe adiante seis meses para o aluguel de um apartamento, ligar para a mãe; se ela não atender, procurar o amigo; se ele tiver morrido, ir a casa da ex-mulher que, vendo-o ferido, não se recusará a ajudá-lo. Não há um definição quanto à morte ou sobrevivência do personagem.



PERSONAGENS: Todos os personagens têm características estranhas, agem de modo incomum. São seres deformamos que, como já se disse, são metaforizados pela visão da lente do “olho mágico”.

Eu (protagonista) – Um rapaz de classe média, separado, completamente desajustado. Demonstra um sentimento (meio) incestuoso pela irmã

Minha irmã – Aparenta um comportamento nervoso, é fútil, mas trata o irmão com certa proteção.

Meu cunhado – Um homem rico, de uma riqueza exuberante, mas trata o cunhado “artista” com certa consideração.

Meu amigo – Um rapaz de idéias estranhas, gosta de ler revistas e jornais, de ouvir música clássica recitar poesia francesa. Tem idéias revolucionárias.

A amiga de minha irmã – Moça completamente desequilibrada, vive consumindo drogas.

Minha ex-mulher – Fria, trabalhadora, decepcionou-se com o casamento.

Mamãe – Vive isolada, recusa a companhia até dos filhos.

O velho – Caseiro do sítio, agressivo, gosta de dinheiro, vive bêbado.

A menina – Neta do velho, parece iniciada na arte de roubar.

O menino – Neto do velho, tem envolvimento com os bandidos que invadiram o sítio e com o policial que os acobertam.

Os gêmeos – Bandidos frios.

O ruivo – Chefe dos bandidos que invadiram o sítio. Vive consumindo drogas.

O delegado do Rio – parece ser o mesmo homem que toca a campainha do apartamento do protagonista no início do romance.

O delegado local – Tem cara de ex-pugilista; é conivente com o crime.

Hidrólio – o copeiro da mansão da irmã. (O único que tem nome)

2 comentários:

PCB - Guarulhos disse...

acabo de ler esse romance e confesso que sua análise está muito completa e muito bem feita. Só penso que seria conveniente acrescentar a relação incestuosa entre o velho e a menina que fica suposta.

Clydes disse...

Estava revendo o romance agora, em 2013 - leitura realizada em 2005. Gostei da sua análise, excelente. Guardei-a em meus arquivos de fichamentos sobre obras. Parabéns.