sábado, 21 de maio de 2011
A aventura da palavra
Inez Figueredo lançou, recentemente, o livro Palavra por aí, à ventura (Poetaria, Gráfica LCR, 2011, 475p), num belo projeto gráfico de Geraldo Jesuíno da Costa, autor também do texto que está na orelha da obra. O prazer da leitura certamente começa pela apreciação do objeto livro, e esse, certamente, seduz pela beleza estética. Passada a euforia tátil e visual, inicia-se a viagem pelo reino da palavra, que logo se abre com interrogações: “Serei um conto, um poema, ou uma tela?”. O que sabe o leitor da escritura de Inez para responder? Aventura-se, textos adentro, cioso por uma resposta.
Não demora a compreender que não se trata de um livro de respostas, nem de perquirição por um gênero. Inez escreve como se lavasse louças apenas para vê-las limpas. A palavra é manipulada, polida, para dizer, para representar, para adornar ou simplesmente para existir entre tantas outras coisas que podem falar mesmo quando silenciam.
Vive-se uma nova aventura a cada uma das 21 narrativas. O livro é, de fato, “uma espécie de monumento à palavra”, como disse a própria autora. A palavra é a personagem central dos enredos, que não necessariamente se constroem com os seus elementos estruturais básicos. Concisa em sua proposta, ela faz longos trajetos em poucas frases, cujas asas são mais mérito do leitor aventureiro do que da imposição de uma leitura por parte do seu discurso.
Percebe-se a presença da poesia, gênero que Inez exercitou em seus dois primeiros livros, O poeta e a Ponte (1997) e Estrela, Vida Minha (2004), e da subjetividade que alicerça todo pensamento que divaga pelo território do sonho e da emoção. Essa emoção tanto pode ser extraída das coisas práticas do mundo referencial: “Sábado: Dia de lavar: casa, carro, a si e os shorts. Do marido, as cuecas” (Minimal p.11), como da viagem que ela faz ao contemplar uma tela. Em A paleta de Tiziano Vecellio (p.13), o narrador cria a história do quadro Danae, de Tiziano Vecellio, descrevendo a personagem mitológica em sua antitética condição de ser livre, porém aprisionado na tela. Paletas, pincéis, tintas e solidão, entre criador e criatura, compõem o cenário da criação artística.
A presença da imagem escapando ao domínio do verbo (Emendando o tempo p. 19), da reflexão sobre o processo criador, tecem as teias de um laboratório. Personagens envoltas no mistério, na solidão e na saudade (Constanza e a vida p. 25 ), na luta com o tempo que tem como resposta a morte (Breve estória de Izabel Ribeiro, artesã p. 31), na recusa ao amor (Naquela noite, num porto qualquer p.61), no delírio (Uma mulher de meia idade p. 63), no encantamento fantástico (Organsim p.135) de uma lenda, vivem o inusitado e o trivial a um só tempo.
Especialmente na narrativa Palavra por aí (p.87), Inês dá vida à palavra, personifica-a em seu percurso temporal. Assim, vai seguindo, a cada texto, os passos do verbo encarnado, para confirmar seu poder, subvertê-lo e/ou falar da sua usura.
Leitora de Cervantes, James Joyce, Kafka e Virgínia Woolf, admiradora de Tiziano e ouvinte de Bach, Inês destila as palavras, as imagens e os sons assimilados e se aventura a transcender qualquer rótulo, qualquer gênero. Consciente da literatura como artefato, ela descreve subjetivamente a criação como a maquinaria do olho e leva o leitor a voos que atravessam a ‘clave do sol’. Se o seu livro é um conto, um poema, uma tela, pouco importa... é a epifania da palavra encontrada. Fala por si e independe das teorias que tentem explicá-lo.
Aíla Sampaio
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