quinta-feira, 26 de março de 2009

Desajuste familiar nos romances de Lya Luft

Introdução

Lya Luft publicou seu primeiro romance, “As parceiras”, em 1980, após três livros de poemas. Seguiram-se os outros romances “A asa esquerda do anjo” (1981), “Reunião de família” (1982), “A sentinela” (1994), “O quarto fechado” (1984), Exílio (1987) e “O ponto cego” (1999), com três obras poéticas intercaladas. Produziu também o memorial “Mar de dentro” (2000) e os livros de ensaios “O rio do meio” (1996) e “Histórias do tempo” (2000), que dão grande contribuição ao leitor quanto ao seu processo criativo. Foram lançadas outras obras até 2008, que não citamos nem analisamos aqui, pois nada acrescentariam à viagem que empreendemos pela sua produção estritamentente ficcional, sem dúvida, a melhor fatia do conjunto de sua obra.

É característica marcante em seus romances a recorrência a cenas, situações ou temas que já apareceram em outras obras suas. Seja através de referência a personagens anteriores ou pelo delineamento de posturas idênticas; seja pelas patologias comuns ou pela força de determinismos, a verdade é que os personagens se irmanam na fragilidade, no desajuste emocional, na carência afetiva, na sexualidade ambígua, mal resolvida, na dor de perdas insubstituíveis, na orfandade, no instinto de autoritarismo ou violência, enfim, se unem por um laço único que enreda toda sua ficção. Sobre o tema central de suas narrativas, ela diz: “A família – da qual incansavelmente escrevo, por conhecer a sua importância e saborear o seu encanto – nos apresenta ternas armadilhas. É lá, sobretudo, que ainda, neste novo século, se cultiva a árvore da culpa e da indecisão”. (HT p.83). A escolha consciente da instituição familiar como centro de sua criação leva-a a um mundo de desajustes, incompreensões, dramas e fatalidades que acaba por traçar um retrato desolador da família contemporânea, motivo desse ensaio.


1. Estrutura familiar desajustada


Nas narrativas de Lya Luft, a família aparece sempre inserida em uma estrutura desajustada, pela impotência diante dos problemas, que leva a personagem a fugir de suas responsabilidades; pela morte dos pais; pela loucura de um ente familiar ou por traumas ocorridos na infância. Tal fato se dá como gerado por um determinismo: filhos de famílias desajustadas formarão famílias também desajustadas, vivenciarão relações fadadas ao fracasso e não se realizarão afetivamente.

Assim, mães morrem cedo ou são indiferentes às suas crias, pais se eximem de seu papel ou o desempenham de forma repressiva, de modo que se percebe a necessidade de um ser estranho ou agregado à estrutura familiar, que estará presente para desempenhar o papel que caberia aos pais. É o caso da Governanta Fäulen, de “As parceiras”, que cuida das três filhas de Catarina Von Sassen, assumindo o papel de pai e mãe, já que Catarina, isolada no sótão por não se ajustar às responsabilidades impostas pelo casamento, decide criar o seu próprio mundo e dele exclui suas quatro filhas: Beatriz (Beata), Dora, Norma e Sibila. Ela [Fäulen] “Deu às meninas uma ilusão de família, apesar do pai ausente e da mãe enferma”. (AP. p.20) O Pai (avô da narradora), um homem bruto e rude que violentara a inocente Catarina na noite de núpcias, e em visitas esporádicas à sua “torre”, levou-a à loucura Ele aparece apenas como protagonista do ato que traumatizaria a jovem alemã, casada conveniente pela mãe aos 14 anos. Anelise e Vânia (filhas de Norma, neta de Catarina), como atendendo a um determinismo, perdem os pais muito cedo e são criadas pela tia Beata.

“A asa esquerda do anjo” se baseia no cotidiano dos descendentes de alemães de Santa Cruz do Sul. Gisela, ou Guisela, como a chama a avó, é quem conta a história de sua família, seus segredos (escondidos metaforicamente em uma portinha no porão), as mortes dolorosas e fala sobre o anjo que guarda o mausoléu dos Wolf, sobre os anseios e as culpa que a impedem de viver uma relação amorosa. A avó alemã, Frau Wolf, mantém filhos e netos sob seu comando e não perdoa a neta Anemarie, a sua predileta, quando foge com o marido da tia. Gisela sente-se excluída e não sabe conviver com o autoritarismo da matriarca da família, que, inclusive, vê a nora, mãe de Gisela, como uma intrusa na família. Depois de adulta, Gisela refaz sua trajetória em busca de sua identidade. É uma mulher sozinha, incapaz de conduzir um relacionamento amoroso.

Em “Reunião de família”, os filhos pouco sabem sobre a mãe, a não ser que morreu bem jovem e que recomendou à empregada Berta para que nunca os abandonasse. O Pai, também sem nome, é um velho professor autoritário e retrógrado, indiferente ao crescimento dos filhos e às suas carências; pelo contrário, sua autoridade repressora é razão da maioria dos traumas de todos eles: Alice, Renato e Evelyn, numa relação que se alicerça na simples obrigação, sem qualquer liame afetivo. Berta, a empregada que sequer recebe salário, dedica sua vida àquele lar e desenvolve um ódio macerado do patrão. É ela quem detém o mistério da morte precoce da patroa.

Em “O quarto fechado”, Renata é uma mãe impotente diante dos problemas dos filhos, sobretudo porque os gêmeos Camilo e Carolina são crianças totalmente diferentes das outras. É Mamãe, a madrasta de seu ex-marido, avó postiça, portanto, das crianças, quem realmente se preocupa e cuida delas.

Já “A sentinela” traz uma família formada pelo pai, Mateus; a mãe, Elsa; a filha mais velha, Lilith; a filha mais nova, Nora, e Olga, que é filha de Mateus antes do casamento. Como Elsa rejeita completamente Nora, é Olga quem a orienta, quem a socorre nos momentos difíceis, já que Mateus, embora lhe tenha afeto, fica sempre do lado da esposa. Nora, quando adulta, sufoca o filho Henrique, pecando por excesso de amor, tentando dar a ele o que não teve. É que, para ela, a família não deveria ser a raiz de todos os problemas, mas “o lugar onde a gente devia se sentir bem, entendido e amado até naquilo que os outros não aceitam, nem entendem”. (p. 109)

“O ponto cego” (1999) constrói toda a problemática familiar pela ótica de um menino de sete anos que se recusa a crescer, com medo de ficar igual aos adultos, perdendo evidentemente a própria perspectiva. A infância é ainda a sua única proteção. O Menino sem nome é também uma criança diferente, curiosa, perscrutadora e adulta, com uma percepção demais aguçada. É rejeitado pelo pai e superprotegido pela mãe, até o momento em que ela, uma mulher anulada pelo autoritarismo do marido, decide dizer “sim” à própria vida e vai embora sem explicação. O menino passa, então, a ser cuidado pelas Tias do pai, já que a irmã é indiferente à sua fragilidade: “As tias vinham todo dia cuidar de mim, me enchiam de agrados, me consolavam – me fazia bem chorar escutando seus passinhos ao redor da cama: alguém se importava, alguém cuidava de mim outra vez. Mas não era a mesma coisa, não era o mesmo colo, não eram o perfume e a bondade dela”. (PC p. 149) O modelo de família é praticamente o mesmo em todos os romances. Como comenta Batista (2007), todos “mostram o casamento e o contexto familiar como motivadores dos traumas, da loucura, morte e perdas das mulheres. O patriarcado, mesmo fragilizado, ainda dita as regras, e a única opção que se oferece a essas personagens em crise é a aceitação do jogo, a acomodação aos papéis impostos. Ou, na maioria dos casos, resta-lhes a morte ou a loucura.


1.2 Mãe indiferente/ausente

Os filhos raramente aparecem como a realização de um desejo maternal nas narrativas de Luft. São, na maioria das vezes, como um fardo que se tem de carregar. Em algumas, há a nítida preferência dos pais por um dos filhos, o que leva o outro a um forte sentimento de rejeição. Em outras, a indiferença ou a falta de laços se estende a toda a prole.

No romance “As parceiras”, o determinismo é implacável. Catarina, mãe de Beata, Dora, Norma e Sibila, mostra-se inapta à criação das filhas e, ensandecida, refugia-se no sótão, deixando a educação delas por conta da empregada. Beata, a viúva virgem, cuida da irmã Sibila, anã, anormal. Norma se casa com um médico e vive em função dos cuidados dele, completamente desligada da criação das filhas Vânia e Anelise, que acabam ficando órfãs precocemente e sendo cuidadas também pela tia Beata, uma mulher seca, que só pode dar o que recebeu da vida. Norma jamais dedicou atenção as duas, mostrava-se sempre frágil e incapaz de assumir responsabilidades: “Hoje, sei o quanto minha mãe era frágil, dependendo, para sobreviver, de todo o cuidado que meu pai pudesse lhe dar. Por isso, mais do que meu pai, ele foi sempre o marido de Norma” (AP p. 31)

Em “Reunião de família”, a figura da mãe é um espectro e paira envolta no mistério de sua morte precoce, mas é significativa a sua ausência, visivelmente assinalada pelos filhos, como uma ‘falta que habita’. A memória dos filhos, ao tentar resgatar lances de vida, não raro falha, obscurecendo a imagem. Alice tinha quatro anos quando ela morreu e confessa não se lembrar dela:“Não conheci minha mãe; pelo menos não me lembro dela. Morreu quando eu era pequena. Só tenho umas fotografias inexpressivas, aquela mocinha era minha mãe? Meu pai não quis guardar nem uma recordação dela, nem roupa nem cacho de cabelo nem anel. (p.19)... Mesmo Berta, a empregada não sabe grande coisa sobre a patroa morta há tantos anos. Chegou em nossa casa pouco antes dela morrer, minha mãe vivia doente no quarto. Vinha um médico tirar água da barriga dela com uma agulha... Estranho esse obscurecimento na memória” (RF p. 19.)Alice, não tendo vivenciado a rejeição materna, mas a ausência da figura, forma uma família tradicional, mostra-se submissa ao marido e compenetrada na educação dos filhos, que nunca lhe deram trabalho. Anula-se como mulher para revelar-se uma mãe dedicada.

Renata, de “O quarto fechado”, é incapaz de lidar com os gêmeos Camila e Carolina, crianças diferentes das demais, a quem ela se vê impossibilitada de compreender e até de amar. Gabriel, o filho que despertou a possibilidade do amor materno, morreu misteriosamente, ainda bebê. É no velório de Camilo que ela revela toda sua impotência diante da vida, sobretudo no que se refere à criação dos filhos que ela delegou à Mamãe.

Já “Exílio” é uma obra em que a figura da mãe, inicialmente idealizada como um bela rainha, se transforma na efígie quase grotesca da alcoólatra exilada que se suicida. Totalmente dependente da atenção do marido, ela sempre se mostra incapaz de dar qualquer afeto às crianças. Sua morte desencadeia a loucura de Gabriel, cujo trauma de ter presenciado seu suicídio, mesmo bebê, é demonstrado na sua mania de defecar, espalhar merda pelas paredes, grafando o nome “mãe”. A médica, filha mais velha, também será vítima do determinismo e, por outras razões, acabará por não ser uma mãe dedicada, o que levará seu filho Lucas a optar pelo pai no momento da separação.

Em “A sentinela”, Elsa exclui ostensivamente Norma de seu círculo de afeto, totalmente voltado para Lilith, a filha tida como perfeita. Não raro, se mostrava insatisfeita com a preterida e dava um jeito de livrar-se da presença dela: “Quando minha mãe se cansava de mim, eu sabia: seria desterrada um fim de semana ou mais no sítio onde nossas roupas ficavam...” (p.13) A mãe, inclusive, colocava o pai contra a própria filha: “Mateus me protegia , talvez de medos, ladrões, fantasmas. Mas não me protegia de Elsa. E, quando cresci um pouco, começou a me castigar por coisas que eu não tinha feito; que Elsa inventava ou exagerava, para me ver punida” (p.67). Por rebelar-se, Nora passa a ser a ‘culpada’ pelas reações da mãe: “- Pai, por que a mamãe está sempre zangada comigo? – Porque é uma mãe maravilhosa /.../ Mas você é rebelde demais, Patinha, precisa ser mais obediente, mais doce” (p.67)

Após a morte de Lilith, quando Norma imaginava ocupar, então, um lugar na vida dos pais, é, aos 12 anos, mandada para um internato, o que representa uma forma de total rejeição à sua presença em casa. Observe-se a consciência da total ausência de afeto: “Se ao menos eu tivesse morrido no lugar de minha irmã, estariam chorando por mim agora” (p.47) Mesmo quando a mãe já está velha e solitária, demonstra ainda hostilidade à filha que, apenas por obrigação, não a abandona. No dia do seu aniversário, Nora visita Elsa, tenta fazê-la lembrar a data, querendo arrancar dela o parto que não teve, a maternidade que lhe foi negada, mas, ao interrogar sobre o dia 16 de março, recebe como resposta: “- Nessa noite entrou em minha vida uma intrusa”... E pensa, tentando consolar-se: “Estará realmente caduca ou só quer me ferir?” (p.27)

A Mãe de “O ponto cego”, embora seja a única a dar atenção ao filho e preocupar-se em protegê-lo do autoritarismo do pai, por vezes volta sua atenção para outros interesses, deixando o filho por último em sua escala de prioridades: “Tem dias em que nem consigo chegar perto dela, não quer que eu me encoste em seu braço, seu corpo. Percebo que ela não agüenta nem carinho, é como se lhe tivessem arrancado a pele e até a brisa a fizesse gritar. /.../ É sempre hora de ela ir ao escritório, hora de viajar, hora de atender minha irmã, hora de ser boa com meu pai, sempre irritado, sempre reclamando de tudo” (PC p. 83)

A mãe vai embora de casa, sem qualquer explicação, e o Menino vive a esperança da volta dela. Pouco a pouco ele se dá conta de que aquela ausência não será temporária e se ressente pela falta de contato, o que o faz sentir-se sem importância na vida dela: “Mas os meses se arrastam e sei que ela não vai voltar. Nunca me deu um telefonema, nunca escreveu, ou meu pai não me deixou saber de nada disso, e minha irmã vive como se nunca tivesse tido mãe. Nem retratos dela existem mais pela casa, alguém recolheu tudo. Só eu tenho alguns escondidos no quarto, mas sei que um dia não vou mais lembrar direito do cheiro dela, da voz, das mãos, do jeito de andar, nada”. (PC p.148)

Badinter (1985) esclarece que “ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cultura, ambições ou frustrações. Como, então, não chegar à conclusão, mesmo que ela pareça cruel, de que o amor materno é apenas um sentimento e, como tal, essencialmente contigente? Esse sentimento pode existir ou não existir; ser e desaparecer. Mostrar-se forte ou frágil. Preferir um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua história e da História. Não, não há uma lei universal nessa matéria, que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É adicional”. Essa visão polêmica da maternidade isenta a figura da mãe de qualquer responsabilidade sobre os problemas dos filhos ditos oriundos da ausência, indiferença ou rejeição dela, pois, se o instinto maternal não é inerente à natureza feminina, não teria, a mulher, nenhuma ‘culpa’ por ser desprovida dele.

A despeito dessa isenção de culpa, Salazar (2002), adverte que é importante pensarmos na ética da responsabilidade, que se esforça na conciliação entre os princípios dos direitos individuais e as obrigações sociais, econômicas, científicas. Ética que se afasta dos códigos de uma moral rígida por uma parte e de uma ausência de códigos por outra”.

As personagens maternas dos romances de Lya Luft, ao rejeitarem os filhos ou sucumbirem às próprias limitações, na visão de Badinter, não estão sendo cruéis, mas apenas humanas. De qualquer modo, é por conta da ausência delas que as famílias se desagregam e reproduzem os desajustes emocionais e relacionais nos descendentes, criando gerações de seres desajustados, solitários e infelizes.


1.2 A insegura autoridade masculina

Embora as narrativas de Lya Luft centralizem a figura da mulher, o homem não aparece como mero coadjuvante; desempenha papéis de relevo, seja como marido submisso, que para resguardar a infantilidade da mulher, negligencia e até fica contra os próprios filhos (“Exílio”, “As parceiras”, “A sentinela”), seja pelo autoritarismo (“Reunião de família”, “O ponto cego”). A própria autora, tecendo comentários sobre os seus personagens em “Rio do meio”, confessa sua opinião sobre o sexo masculino, mas não se isenta de identificar esses seus seres fictícios como pessoas solitárias: “... todos os homens que inventei, paridos da minha fantasia, sólidos ou frágeis, grosseiros ou machucados, vitoriosos ou traídos... sempre os achei solitários, embora não me fossem apresentados como espécimes muito confiáveis. Desde criança ouço falar pouco confiáveis. Desde criança ouço falar pouco bem deles. (RM p.71) /.../ escrevo muito sobre a solidão dos homens – que é também a solidão de suas mulheres”. (RM p. 73)

Na primeira obra (“As parceiras”), se sobressai a figura do Avô da narradora, inicialmente, um viril trintão, compulsivo por sexo, que se casa com uma moça de 14 anos. Mesmo após sair de casa, visto que a esposa, com aversão aos seus assédios se recolhera louca no sótão, ele a visita e a violenta quando tem vontade: “O marido desistiu de lhe ensinar a arte dos bordéis, preferindo teúdas e manteúdas àquela adolescente que já lhe provocava mais arrepios de medo do que de desejo. Mudou-se para uma de suas fazendas, no casarão aparecia apenas como visitante temido. Minha avó ficou meio esquecida com as empregadas e uma governanta. Quando o marido irrompia naquela falsa tranqüilidade, não deixava de procurar a mulher. Dava um jeito de abrirem o sótão, e, entre gritos e escândalo, emprenhava Catarina outra vez”. (AP p. 15)

O pai de Anelise, a narradora, é um médico que vive em função de Norma, sua frágil e ameninada esposa, de quem ele nada cobra em relação às filhas: “As três filhas de Catarina casariam cedo. /.../ minha mãe, com um homem que a protegia da fragilidade numa existência quase tão irreal quanto aquela do sótão”. (AP p.20). “Nossa família era isso: os pais, felizes e alheados, falavam conosco, nos levavam para a praia nos verões. Papai indagava da escola, mas não éramos nós sua verdadeira preocupação: era mamãe. Pensei que se amavam demais, o resto do mundo não interessava...” (AP p.28). Já o marido de Vânia, irmã da narradora, impõe como condição para o casamento a renúncia da então noiva à maternidade, haja vista que não deseja fazer perdurar a “raiz podre” daquela família. Vânia aceita a imposição e se submete às vontades do marido.

Em “Reunião de família” é o Professor a figura preponderante. Autoritário e violento, ele, além de não dar amor aos filhos órfãos, maltrata-os: “No banheiro Renato foi obrigado a se ajoelhar; achei grotesco alguém pedir perdão de joelhos por urinar fora do vaso... Sujou? Agora limpe com a língua... o pai então pressionou-o com a mão poderosa e ossuda até esfregar o seu rosto no chão. (p.36) /.../ Nunca deixei de ter medo do meu pai. Acho que todos temos. A um gesto seu, mais brusco, afastamos instintivamente a cabeça, como para fugir daqueles tapas de antigamente. Pois apanhávamos até na frente de nossos amigos... sentíamos vergonha. ... Nossos castigos eram constantes e cruéis: tapas, surras, horas sentados quietos sem licença de levantar nem para beber água”. (p.35)

O velho é odiado, inclusive, pela empregada, que até o responsabiliza pela morte precoce da patroa: “Lembra o dia quando o senhor esfregou minha cara nomijo do chão, lembra? ... Naquela ocasião Berta me contou que minha mãe morreu de desgosto, de solidão. Muitas pessoas comentavam isso, para ela o senhor também foi um carrasco. p.84... Berta me disse também que logo antes de morrer nossa mãe pediu que ela tomasse sempre conta de nós, porque o senhor não tinha coração. Foi o que ela falou: “O pai deles não tem coração”. (p.85.Já Renato aceita passivamente o temperamento de Aretusa, e Bruno alimenta a quase-demência de Evelyn, após a perda do filho.

Martin, de “O quarto fechado”, é um marido impotente diante da inadaptação de Renata à vida matrimonial e aceita a separação, sem questionamentos. É o personagem masculino mais solitário da ficção de Lya. Não houve possibilidade de ele realizar-se com sua quase-irmã Ella e, com Renata, jamais teve uma estrutura familiar normal: os gêmeos eram crianças diferentes, a mulher não sabia ser esposa nem mãe, o filho Gabriel morreu bebê ainda.

O pai, de “Exílio”, remete ao pai da narradora de “As parceiras”. Vive em função da mulher alcóolatra e, além de deixar os dois filhos em segundo plano, pede que eles compreendam a fragilidade da mãe, que acaba por suicidar-se e desestruturar toda a família. Na mesma obra, temos a figura de um homem forte corporificada no amante da médica, um viúvo que cuida pessoalmente do filho excepcional. Esse é, talvez, o mais forte personagem masculino de Lya, sobre o qual ela mesma comenta em “Rio do meio”: “Há um personagem masculino que abordei com especial reverência. Aquele que chamei pater dolorosus, cumprindo uma paternidade pouco conhecida: segurando nos braços seu filho adolescente pouco mais que um vegetal, alimentava-o pacientemente com uma colher, limpando-lhe do queixo o mingau que escorria, enquanto os pobres olhos desarticulados o contemplavam em muda – e terrível – devoção. /.../ Não sei se voltarei a sentir a pungência que me varava cada vez que eu via com meu olhar interior, e descrevia, esse homem de uma tal grandeza. Não digam que em meus livros os homens são uns fracos”. (RM p.97)

Em “A Sentinela”, Mateus retoma o estilo submisso à esposa e vive em função de Elsa, inclusive compactuando de sua rejeição à filha Nora. João, amante de Nora, é insubmisso, mas se fragiliza diante dos problemas vividos pela filha, consumidora de drogas.

O Pai de “O ponto cego” é extremamente dominador. Embora administre os bens da esposa, é ele quem dita as regras e a mantém submissa aos seus caprichos e a sua infidelidade: ‘A vida não é fácil ao lado de meu Pai, aquele olho azul sempre avaliando e despachando. /.../ Meu pai é controlador. Sabe e vê tudo, pesa, corta e divide. Mas o meu pensamento ele não consegue regular. Ele decide a existência de minha Mãe, mas não poderá impedir sua mirada. Prevê as vitórias de minha irmã, mas não escreverá todo o destino dela” (PC p. 47)

Embora o pai constitua um contra-modelo para o filho, que, em função disso, se recusa a crescer, e se apresente no decorrer da narrativa como um homem temido, quando sua esposa vai embora, ele mostra suas fraquezas, rapidamente percebidas pelo menino: “Só depois que tudo aconteceu e que essa história foi desenrolada até quase o final, compreendi que sua insegurança o fazia agir assim; por medo queria conformar as coisas todas segundo sua vontade. /.../ (Meu pai também carregava a sua dor)” (PC p. 23)

Na obra “Histórias do tempo”, no capítulo ‘Histórias de Perdas & Ganhos’, a narradora fala de uma reunião com um grupo de homens “de quarenta a sessenta anos, bem sucedidos na profissão”, a fim de debater maturidade, perdas e ganhos. Ela diz se surpreender com os medos, os desejos e as inseguranças, dores e aflições também vivenciados por eles. Lya toca na fragilidade masculina do homem que se sente isolado dentro da família, cujos maiores espaços são da mãe e dos filhos na ótica deles.

1.3 Submissão/Insubmissão nas relações

As relações familiares estão sempre pautadas em relações de submissão ou insubmissão, como se a forma de convivência dependesse de um elemento dominador e de outro dominado, numa total ausência de equilíbrio. Isso se evidencia tanto no ângulo feminino como no masculino, quando a submissão aparece representada dentro de um contexto de “aceitação”. A personagem feminina submissa aceita sua condição, na maioria das vezes, por não ter opção ou por prender-se a algum valor, embora demonstre, em sua aparente postura acomodada, indícios de insatisfação. Já o homem submisso o é naturalmente, por devoção, sem qualquer necessidade de libertar-se. O certo é que, na obra de Lya, “Numa relação há sempre um que se curva e outro que comanda”, como diz, ainda lúcida, a Avó de “O ponto cego” (p.75) à sua filha.

“A asa esquerda do anjo” mostra na avó o desenho do autoritarismo. Todos vivem à sua sombra, embora morando no Brasil, seguindo seus preceitos alemães. Gisela, sua neta, não se acostuma à postura submissa da mãe, e vive dividida entre a obrigação de seguir as rígidas normas da educação alemã e a vontade de ser como as outras crianças. Sua mãe não tem força para optar pela educação da filha. Assim, a menina cresce sob a censura da avó e à sombra da prima, a ‘preferida e perfeita’ Anemarie, a única a romper o cerco opressivo.

Alice, a narradora de “Reunião de família” (1982), ao afastar-se da casa em que vive com o marido e os filhos, para reunir-se com os irmãos e o pai, demonstra explicitamente sentir falta de seus afazeres domésticos e não se desliga da rotina de sua casa. Admite sua dependência emocional do marido autoritário e sucumbe a suas vontades próprias para não contrariá-lo. Seu marido representa uma espécie de “salvador da pátria”, que a libertou da rudeza do pai. Ela até os compara para mostrar que o marido, embora com todos os defeitos, é bem melhor que seu genitor: “Aos dezoito anos casei e fui construir a minha vida com aquele que fora meu primeiro namorado. Um rapaz quieto e bondoso, muito menos severo e exigente do que meu pai. Desisti dos planos de estudar, resolvi ser uma boa dona de casa” (p.35) /.../ Por sorte, casei-me com um homem menos exigente,que não é severo; apenas um pouco distante. Fico feliz quando noto que está contente comigo”. (p.20).

Ela deixa escapar que tem consciência da relação de domínio que circunda sua vida ao desabafar que, com o casamento, apenas ‘trocou de dono’: “Quis morrer dezenas de vezes, lidando na cozinha, carregando a sacola de compras, lendo sozinha na sala, vagando pela casa de madrugada quando tinha insônia, escutando meu marido roncar, ouvindo o ruído de sua mastigação, agüentando as brigas dos meus filhos e disfarçando a dor quando me chamavam de velha. 109... Eu tinha outros planos para minha vida, mas acabei sendo Alice, a coitada; a de mãos ásperas e coração agoniado. Troquei de dono quando me casei, fui para um proprietário menos exigente, menos violento – mas meu dono. p.110... Todos são meus donos, até meus filhos; até Aretusa, que sabe meus segredos e me destruirá através deles”. Como não é feliz, vive a fantasia de ‘Alice no país das maravilhas’, numa demonstração de total falta de domínio sobre a própria vida.

A Mãe, de “O ponto cego” (1999), embora seja a dona da fortuna da família, administrada por seu marido por sua opção, se submete ao autoritarismo dele, aceitando, inclusive suas traições. Analisada pelo olho do filho-narrador, sua resignação é pura representação; ela dá autonomia total ao marido e fecha os olhos para os seus defeitos como uma forma de autopunição: “... dizendo não ela diria sim. /.../ Mas talvez ela não tivesse força. Talvez fosse acomodada. Ou estava aceitando um castigo? /.../ Prefiro não saber a resposta. A vida não é fácil ao lado de meu Pai, aquele olho azul sempre avaliando e despachando. (PC p. 46-7) /.../ Minha Mãe não parece ter uma vida sua: vive a dos filhos e a de meu Pai. Que dívida terá com ele, que a faz girar nessa perpétua dança das mulheres em torno dos homens a quem precisam servir?” (PC p. 37)

O filho fica a espreita do momento em que ela findará a purgação de seu(s) suposto(s) pecado(s) e se libertará. Ele torce imensamente por isso, mesmo sabendo que vai perdê-la. Afinal, ela se transforma, torna-se cada vez mais alheia, e foge sem explicações. A narrativa sugere que seu momento epifânico dá-se pela paixão avassaladora, à primeira vista, que ela vivencia com o Moço, namorado de sua filha.
Em “As parceiras” (1980), Vânia aceita a condição imposta pelo noivo e se casa certa de que sufocará definitivamente seu instinto maternal. Ela deixa transparecer que é essa a sua vontade, para não perpetuar na espécie a loucura de sua família, mas acaba admitindo que a decisão ‘foi imposição do marido’. Sublima sua submissão e sua aceitação da infidelidade dele arranjando amantes e comportando-se futilmente, numa vida de aparências, já que não quer se separar, porque o ama.

Renata, de “O quarto fechado” (1984), abre mão de sua vida profissional para casar-se, mas, ao contrário de Alice e da ‘Mãe (de “O ponto cego”), não se ajusta ao papel de mãe e esposa, embora não possa reassumir sua independência. A submissão imposta pelos papéis que lhe são imputados a violenta, matando inclusive seus dons artísticos.

Catarina Von Sasen, de “As parceiras” (1981), submerge num mundo imaginário e evade por não conseguir ajustar-se à convivência com o marido rude. Repudia o sexo e concebe o ato como uma cena de terror, o que se traduz na figura monstruosa de sua última filha, Sibila, anã e anormal, concretização do horror que fora o momento de sua concepção para a mãe. Catarina só se torna insubmissa através da loucura, mas também já nada lhe resta de seu.

Aretusa, de “Reunião de família” (1982), não se submete ao marido, ao contrário, exerce domínio sobre ele. O fato de Renato aceitar o passado ‘permissivo’ dela, as suas grosserias e indiferenças, torna-a o elemento dominador na relação. Na mesma obra, temos Bruno, marido apaixonado que sufoca a dor da perda do filho na tentativa de recuperar a sanidade da esposa Evelyn, causadora do acidente que promoveu a tragédia. Em vez de trazê-la à realidade ou culpá-la, ele alimenta a semiloucura da mulher, sendo conivente com todas as atitudes insanas dela, a despeito da opinião da família.

É o mesmo que ocorre com o marido de Norma, a frágil mãe de Anelise, narradora de “As parceiras” e com o esposo da Rainha Exilada, mãe da narradora de “Exílio”. Ambos negam atenção aos filhos para se dedicarem às suas frágeis esposas e ainda exigem deles (dos filhos) compreensão para o fato de terem uma mãe “especial”. Em “A sentinela”, Mateus só fazia o que Elsa determinava, aplicava castigo à filha Nora quando a mulher determinava, mandou-a impiedosamente para o internato quando a mãe assim decidiu; é, inclusive, visto pela filha como “cego e burro” em relação à esposa.

1.3 Carência afetiva dos filhos

É praticamente regra geral na obra de Lya a referência dos filhos aos pais, como negligentes, distantes, desapegados ou violentos. Todos, invariavelmente, apresentam sequelas dessa ausência, sejam ocasionadas pela fragilidade, pelo descaso ou pela morte da mãe; sejam provocadas pelo excesso de apego do pai à esposa, sejam pelo autoritarismo ou pelo desprezo. Leiamos as palavras de Anelise, filha de Norma, a frágil filha de Catarina (“As parceiras”): “Caminho nesta solidão prateada, e penso em minha mãe, que conheci tão pouco. Quando ela casou todos acharam que lhe convinha muito aquele homem já maduro, bondoso. Ainda por cima um médico, que poderia entender e tratar melhor certas singularidades de Norma. Pois ela era um pouco infantil, desinteressada pelas coisas práticas, aparentemente incapaz de assumir uma família sua. Pareceu feliz com meu pai, viviam bastante isolados /.../ Depois do jantar tocava piano para ele na sala: era para ele que tocava, cantava, vivia /.../ (AP p.25) /.../ “Meus pais eram bondosos e tranqüilos, mas distraídos. Talvez sentissem a brevidade do se prazo, a felicidade precária precisava ser tão protegida quanto minha mãe, que sobrevivia apenas assim, pairando pela casa, quase ausente, acompanhando um pouco a distância a vida dos filhos e os acontecimentos domésticos. Nunca podíamos correr, gritar, discutir na frente dela, tudo a perturbava, começava a chorar, recolhia-se ao quarto, me deixava louca de remorsos”. (AP p. 26)

Gisela, de “A asa esquerda do anjo” tem a infância marcada pela rigidez da avó, que lhe impõe uma educação alemã, quando sua alma brasileira clama pela liberdade de ser criança. Sua mãe não é capaz de se rebelar e mantém a situação para não contrariar a sogra. Na fase adulta, Gisela revela-se uma pessoa extremamente mal resolvida.

Alice, a narradora de “Reunião de Família”, registra a falta que fez a mãe morta tão cedo e mostra a indiferença e o desapego da pai: “Cresci sem mãe; sem avós; sem tias nem primas; nosso pai não era ligado à família, falava como se fosse sozinho no mundo. Nunca tive alguém perfumado e doce para me abraçar; para ajeitar meu cobertor na hora de dormir, ou contar histórias; para me dar conselhos. Nem para cuidar de Evelyn, que era um bebê quando nossa mãe morreu, e foi criada por Berta; ou para ajudar meu irmão Renato, que só levava surras de nosso pai”. (20) /.../ “O Professor não era um pai de verdade; desses que chegam em casa no fim do dia e a gente se alegra com sua presença; desses que pegam o filho no colo; ou os levam para passear. ... Todos chamavam meu pai de Professor. às vezes também o tratávamos assim, e ele nunca reclamou. Nossa casa era a continuação da escola: deveres e castigos; medo de errar”. (p.20) /.../ “Naquele tempo carregava comigo uma fotografia de minha mãe; dormia com ela debaixo do travesseiro; beijava-a; chorava seguidamente sem maior razão, e me sentia muito infeliz”.(RF p.35)

Em “A sentinela”, a carência da personagem Nora é tanta que ela chega a pensar que seria melhor ter morrido no lugar da irmã, só para chamar atenção. A extrema atenção dada ao seu filho, Henrique, é um processo de transferência fruto da ausência da figura materna ‘como mãe enquanto matriz, enquanto ser que gera e acolhe o filho’. A forma como Nora recebe o único bolo de chocolate mandado pela mãe, enquanto estava no internato, denuncia a necessidade do afeto materno: “Comia e chorava, engolia enormes bocados daquele doce como se quisesse enfiar minha mãe dentro de mim, para que fosse minha, para que me amasse, e me conhecesse. (AS, p. 62)
Após ouvir da mãe que sempre foi uma intrusa em sua vida, ela conversa com Olga, a irmã por parte de pai e tem a seguinte avaliação: “- Isso não é normal na sua idade /.../ Esse amor de criança carente na sua idade é coisa de psiquiatra. Vá se tratar, eu já disse (p.28). Nora fala que sempre se sentia desprotegida, já que o pai sempre dizia que “Elsa era uma grande mãe e [ela] a filha ingrata”. Olga conclui que o pai era “firme e lúcido, mas, quando se tratava de Elsa, ficava burro”. (p.29)

O Menino de “O ponto cego”, que se sentia rejeitado pelo pai, mas superprotegido pela mãe, na ausência desta, desabafa sua carência: “Tudo isso é muito triste sim. Choro sozinho no escuro de noite e não tenho por quem chamar, pois minha mãe, que hoje sonha com outro, já não virá me confortar. (PC p. 127) /.../ “O que vai ser de mim? Quem vai me dar colo de Mãe, quem vai me confortar e manter afastados os horrores todos? /.../ As Tias cacarejam ao meu redor, excitadas com a importância que de repente assumiram cuidando de mim, raro caso de dasarrumação do tempo”. (PC p. 151)

A maioria dos ‘filhos’, nos romances em foco, tiveram uma infância privada de amor; as mães, sempre ausentes por não terem ‘condições’ de assumir a maternidade, são, na maioria dos casos, incapazes de carinho ou atitudes mais afetivas. O pai, em vez de suprir a lacuna, geralmente se ausenta ou se comporta de forma muito rígida, propiciando o desenvolvimento da insegurança dos filhos que não sentem apoio na família. A consequência desse tipo de educação é a carência afetiva e a tendência natural a atrair relacionamentos igualmente confusos e insatisfatórios.


Conclusão

Em todos os romances de Lya Luft, a família aparece como propulsora dos desajustes dos filhos, que tendem a viver situações idênticas, quando têm um lar. A mulher aparece, na sua ficção, sempre inserida num contexto familiar patriarcal, vivendo “exilada, marginalizada à procura de formas de sobrevivência mediante satisfações substitutivas, ou então pela sublimação de suas perdas através da arte”, como Assinala Osana (2003 p.13). Em “As parceiras”, a própria narradora, Anelise, se considera de uma “família de perdedoras”. Sua irmã, Vânia, aceita, inclusive, como condição para casar-se, a opção de não ter filhos, para não “transmitir o legado da sua miséria”, como disse Brás Cubas um século antes.

Nas outros romances, “A asa esquerda do anjo” e “Reunião de família”, a personagem feminina continua submissa e insatisfeita; quando alguém rompe o cerco e se rebela, paga sempre um preço muito alto. Nos seguintes, “A sentinela”, “O quarto fechado”, “Exílio” e “O ponto cego”, as personagens femininas, além de não serem capazes de manter os relacionamentos afetivos com o parceiro, falham como mães, seja pela incapacidade de lidar com os problemas, seja pelo peso se um passado de opressão. Acabam, inevitavelmente, reproduzindo os desajustes de que foram vítimas na infância.

Os homens aparecem como figuras secundárias, mas não desvinculadas dos dramas familiares: Em “As parceiras”, “Reunião de família” e “O ponto cego” é o autoritarismo deles que gera toda a desarmonia. Já em “A sentinela” e “Exílio”, é passividade do homem/pai que intensifica o vazio do amor familiar, já que as mães, nesses dois romances, nada têm a dar aos filhos, tal como a Renata de “O ponto cego”.

Em todos os casos, a carência afetiva dos filhos é imensa e se reflete nos adultos em que se transformam, incapazes de amar inteiramente ou de serem generosos com o outro. A família é, pois, celeiro de autoritarismo, desarmonia e desafeto, quando não de rejeição, revelando a fragilidade do ser humano diante da vida e de si próprio.



Bibliografia

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