O novo livro de Isa Magalhães, O
jogo do amor, surpreende pela ousadia. Ela mistura o tom ensaístico ao
discurso literário, amalgamando-os ao misticismo do tarô, sem, entretanto,
perder o foco: o amor, o tema mais visitado da literatura universal, o mais
antigo e sempre atual, inesgotável. Essa transdiscursividade prende o leitor
por liames inusitados, como gavinhas de uma trepadeira, levando-o como na
correnteza de um rio, cuja água tem a mesma fluência de sua linguagem simples e
acessível, do tom prosaico e da leveza da fala, que parece dirigir-se a um
interlocutor íntimo.
Tudo a ver com a
personalidade de Isa esse olhar caleidoscópico sobre o mundo que a
cerca. E como não ser múltipla ao falar de amor, esse sentimento
visceral que, em nenhuma das suas formas, é catalogável ou passível de
definição? Mas ela, embora trilhando estradas distintas, aponta-nos
as bifurcações e não se perde nem coloca desordem na miscelânea de olhares. Ao
contrário, o livro organiza-se em três partes distintas, independentes, mas
perfeitamente concatenadas. Há unidade na diversidade, quando se costuram as
três partes com seus pontos comuns: o amor, os relacionamentos, a vida em seu
curso.
Na primeira, ela
discorre sobre o amor, sua sublimidade, suas contradições, sua força, seus
mitos. Em nenhum momento, tenta conceituar ou delimitar as fronteiras entre o
que seja amor, paixão ou simplesmente atração; dá, sim, munição para que o
leitor formule suas próprias concepções, não o deixando, entretanto, sem noções
elementares, como as das quatro fases vividas no começo de qualquer
envolvimento amoroso: Atração, Encantamento, Envolvimento e
Intimidade (ou compromisso), etapas variáveis de acordo com a situação,
época e cultura em que se vive. Disserta, ainda, sobre o amor erótico e o amor
romântico, resgatando a história de Eros e Psiquê, para ilustrar a mitificação;
segue tecendo a relação entre amor e sexo, e descreve os tipos de
relacionamentos, sem moldar receitas, mas tão-somente conduzindo o
leitor a reflexões.
Na segunda parte, há 22 contos, todos
inspirados ou adequados à simbologia das cartas do tarô, encenando, cada um,
enredos que ilustram um tipo de amor. Em todas as histórias estão presentes os
elementos constitutivos do conto, com variação no ponto de vista da narrativa,
todas costuradas pelo tema do amor, suas contradições e conflitos, medos,
ciúmes, frustrações, traições, tristeza, dor, encontros e desencontros. Fica
clara a alternância da voz da autora e da voz de seus diversos narradores,
possibilitando ao leitor a vivência com o discurso real e a experiência
estética com o ficcional.
No terceiro capítulo, a autora explica ao leitor o que é o Tarô,
conta sua história milenar, relaciona-o à Psicologia, discorre sobre os Arcanos
Maiores e seus significados, bem como sobre a personalidade dos amantes no
Tarô para conduzir à compreensão de que temos exatamente o parceiro que
merecemos. Seu objetivo não é fazer apologia às cartas ou ensinar métodos de
utilização, mas o de propiciar ao leitor os conhecimentos básicos para, por
meio delas, entender seu relacionamento, autoconhecer-se e descobrir
o amor através dos símbolos. Sua atitude tem a honestidade de suas convicções,
sem pretensão de afirmar verdades incontestáveis ou passar a fórmula da
felicidade.
Assim, sem romantismo ou pieguice, o
amor se revela vida e destruição, felicidade e tristeza, desvelando-se em
diversas situações, ora compondo um quadro literalmente romântico, ora
enveredando pelo hiperrealismo, ora encenando o insólito que caracteriza o
Fantástico.
Aíla Sampaio
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