segunda-feira, 7 de abril de 2014

Hermínia Lima: a pele das palavras





A leitura crítica de um texto deve, antes de tudo, concentra-se nas trilhas da própria escritura
Pulsante, vigorosa, sensorial: é assim que se afigura a poesia de Hermínia Lima. Em Sangria Azul, seu primeiro livro de poemas, já celebrava a sensualidade do corpo, o amor vivido, saciado, de modo que essa poesia amorosa, sensual, retomada nos versos de Sendas do sacrário, já constitui uma marca de sua poética e, nesse novo livro de poesia, confirma sua capacidade de desnudar-se sem ser piegas, de decantar o erotismo sem ser vulgar.

Hermínia Lima é professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), doutoranda em Línguística na Universidade Federal do Ceará (UFC). No campo da produção literária, dedica-se ao ensaio e à poesia, com proficiência, imaginação e sensibilidade

O erotismo

Praticada, pode-se dizer, desde sempre, a poesia erótica tem belos registros em obras de poetas gregos e latinos da Antiguidade Clássica; posteriormente a exercitaram poetas da lírica medieval e provençal, do Barroco e do Arcadismo, seguidos pelos românticos e, mais tarde, pelos modernos e pós-modernos.

Embora exercitada em quase todas as épocas, a poesia do amor carnal é mais um estilo próprio de cada autor do que uma característica marcante dos movimentos literários. No Brasil, José Alcides Pinto, Hilda Hilst e Pedro Lyra são representantes do que há de melhor nesta seara.

Para Hermínia Lima , são as ‘ardências do corpo’, os desejos, fontes de inspiração. O sexo – “sentido de ser” – não é apenas leitmotiv de versos, mas a própria poesia: (Texto I)Seus versos são extremamente sensoriais, inspirados no(s) amor(es) vivido(s), degustado(s) e eternizado(s) na pele das palavras, onde ele(s) não perecem. Sim, é pela palavra que ela (re) constrói as imagens de carícias, toques, olhares e explosões de prazer que sutilmente se desenham.

Outro livro

Sendas do sacrário é incontestavelmente um livro de amor. Divididos em três partes, os poemas ilustram a mulher ativa, dona do seu corpo e do seu prazer, em busca do amor. Seu eu lírico, notadamente feminino, não reduz sua poesia a meros devaneios românticos de uma mulher. Como Hilda Hilst, ela ora celebra a posse, a carícia concreta, ora projeta, idealiza e sonha com a chegada daquele que abrirá as portas de seu santuário, como se lê em “Busca”:(Texto II)

Leitura do poema

A promessa de futuro, seguramente anunciada, mostra o poder da busca e a capacidade de transpor céus e terra pelo abraço desejado. Embora o eu lírico não seja declaradamente uma mulher, vê-se nas entrelinhas, a voz das Penélopes, claro, do nosso tempo, pois, em vez de fazer e desfazer mantas, ela “cruza fronteiras” e “cumpre a saga” enquanto aguarda seu “Odisseu”.

Sabe a hora do encontro, simbólico, nas chamas, nas águas ou entre-palavras. Esse último reserva já a possibilidade de o amor realizar-se apenas em forma de versos, como disse, na pele das palavras.

Singularidades

Pelo elemento fogo, ela é corpo em brasa, bacante vestal nos braços do seu homem, consoante os versos: (Aquecidos, a princípio, pela mistura insólita / de vinho e chocolate, ferviam agora, / na chama dos próprios corpos / que incendiava a cama, o quarto / e ameaçava incinerar o mundo inteiro (“Joinville” p.41).
Nas águas, é sereia ardilosa, tomando posse do seu Boto (Enquanto canto / encanto. / O canto, à cata / acha, em um canto, / estrelas / e as cata / para o ato (“Sereia” p.57)) . Entre-palavras, é a mulher que seduz pelo verbo encarnado, lúcida e visionária, segura do que tem e/ou pode ter (Ah, santa e profana habilidade de tocar com as palavras! (“Divindade” p. 70).

Professora da Unifor

AÍLA SAMPAIO
Especial para o Ler

Trechos

TEXTO I

Sobre um altar de linho, / Derramam-se os perfumes da carne /// (Poemas pulam entre pernas / e pousam cansados / na cintilante espera / do recomeço) (“Altar” p. 24)

TEXTO II

Abrirei estradas para o norte, / rasgarei a mata catando loas, /e levarei o sol para secar florestas. /// Espreitarei os vizinhos peruanos, /aprenderei os ritos dos povos bolivianos, / E cruzarei fronteiras navegando o rio Acre. /// Decifrarei dialetos de todas as tribos, / mergulharei no rito de pajelança da nação Kaxinawa, / e seguirei as águas, morada de Cobra Norato. /// Boiúna será meu guia, / pirarucus e castanhas meu alimento / pelas terras dos seringais. /// Enfim, cumprida a saga, / suspenderei a chuva, / e nua caminharei pela mata, / sorvendo a taça do Santo Daime, / enquanto espero a hora do teu abraço.

 

Publicado no Jornal Diário do Nordeste em 24/01/2014

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/suplementos/ler/herminia-lima-a-pele-das-palavras-1.798346 


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