segunda-feira, 7 de abril de 2014

A poética da inquietude







A poesia de João Soares Lobo não se aliena a um estilo, a uma temática ou a uma forma. Embora seja ele conhecedor das regras de versificação, não se prende a formas, escreve de acordo com a inquietação do seu próprio espírito, ora obedecendo a impulsos iconoclastas e irreverentes, exercitando versos livres e críticos; ora metrificando-os e mostrando-se afeito a sentimentos mais amenos.

        Herdeiro incontestável da lírica camoniana e leitor da melhor literatura em línguas portuguesa, espanhola, francesa e italiana, ele é conhecedor das letras mais do que das linhas da própria mão. Daí tanto pudor em mostra-se, tanto ‘titubeio’ em revelar-nos essas suas andanças pelo território das palavras.
Sua poética se constrói de modo antitético, traduzindo as oscilações comuns de todo espírito irrequieto: por vezes prepondera a visão irônica da realidade, quando se ouve a voz de um eu lírico rebelde e até sacrílego: “Peço a Deus que Ele me esqueça / E não me cobre mais nada /Também que me favoreça / E libere a minha estrada. / Não vou seguir mandamentos / Nem sagradas escrituras / Prefiro meus sentimentos / Das alegrias mais puras” (Poema sacrílego). Noutros momentos, o flagramos resignado: “ Para que a tua prece / Suba ao céu como oração, / Olha o coração de Deus / No peito de cada irmão. / Depois, faz o bem, e esquece, / Assim a ninguém parece / Que tens segunda intenção. / E, se fores verdadeiro, / De cabeça, braço e mão, / Vai chover o ano inteiro / Na roça do teu sertão. / Sabe que a melhor palavra / Que tu podes pronunciar / É a de quem planta e lavra / A verdade em seu olhar” (Pregação). Ou ainda: “Consola-te com a cruz que Deus te deu / E verás que ela nem é tão pesada / Lembrar-te-ás de quanto Jesus sofreu / Por salvar a tua alma amargurada” (Compensação).

           Há sopros fortes das leituras assimiladas ao longo do tempo, sobretudo há a influência do pensamento shaupenhaureano de Augusto dos Anjos, da poesia filosófica e metafísica de Fernando Pessoa e da antifilosófica de Alberto Caeiro. Lendo os versos do poema Filosofias: “ Não. Hoje não estou / Para vãs filosofias /   Nem quaisquer abstrações. / Hoje, só questões pragmáticas, / Coisas tipo beira-chão. / Meu pai era homem assim, / Crente, mas sem discussão. Quem discute, / O cão que escute, / Eu é que não”,  lembramos imediatamente os versos de Alberto Caeiro, em Poemas Inconjuntos: “Não basta abrir a janela / Para ver os campos e o rio. / Não é bastante não ser cego / Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. / Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. / Há só cada um de nós, como uma cave. / Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; / E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, / Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.” A filosofia é desnecessária para olhar o mundo. É do olhar nu que o poeta necessita, apenas das sensações não intelectualizadas, já que o real é a exterioridade e não devemos acrescentar-lhe as impressões subjetivas desnecessárias.

         O amor é outro tema bastante visitado na poética de João Soares Lobo. O amor-amante, amor-irmão, amor-filial, amor-amigo, amor-saudade, amor-gratidão, amor-infância, amor-sonho, o amor em todas as suas formas, longe da rima indigesta com o substantivo dor. Mesmo que o eu lírico fale de desencontro e despedida, há a celebração da esperança: “ Para mim, hoje não amanheceu; / Eu estou ontem, que inda está por vir. / Só sei, depois que tudo aconteceu, / E amanhã nascerá para sorrir” (Tu e eu). Há uma espécie de decisão pela felicidade: No poema Geometria, isso fica claro: “Eu tracei a bissetriz / Do meu desejo risonho / De querer viver feliz”. De fato,  sua poesia, mesmo quando versa sobre medos, vida, morte, eleva o pensamento e redescobre a ternura, porque ‘a  tristeza é doença’.

Seja pela riqueza dos intertextos  com Olavo Bilac - “Lembrei, então, do que diz outro autor: / Só os que amam podem ter o ouvido / Capaz de ouvir e de entender as rosas”; com Petrarca/Pessoa “Navegar é Preciso”, seja riqueza estética das paisagens poéticas que aqui encontramos, pela seriedade com que o poeta brinca com as palavras e o pensamento, vale a pena seguir por essas andanças, respirar seus ares, conhecer o poeta
que assim se traduz no poema Dueto:
 
 Eu já fui louco e até que me aplaudiram,
Já fui sensato e poucos me entenderam;
Aí, quis ser santo e me crucificaram.
Quando te amei, disseste-me: - É loucura.
Quando amaste, te disse: - É insensatez.
Abençoamos o amor e o amor se fez.
Crucificado, - é a divina tortura.

Viva a poesia e a insensatez! Que essa seja a primeira de muitas irrequietas andanças, João Soares Lobo!

Fortaleza, 10 de fevereiro de 2014

Aíla Sampaio


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