quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Rembrandt: um pintor de temperamentos

Rembrandt é o principal nome da arte européia do século XVII. Pintor, gravador e desenhista, experimentou técnicas diversas e atingiu a perfeição na água-forte, despertando a curiosidade de seus contemporâneos que queriam descobrir o segredo do tamanho domínio dessa técnica. Como homem barroco, vivendo a dualidade seiscentista, incorporou às suas técnicas os efeitos do contraste do claro-escuro, herdada do pintor italiano Caravaggio, cuja projeção de luz, quase sempre frontal, parece ter o objetivo de conduzir os olhos do leitor para o aspecto mais relevante da figura retratada.


Seus temas, inicialmente religiosos, dentro da tradição da arte protestante holandesa, estenderam-se a livres interpretações de cenas bíblicas, cenas mitológicas, a reprodução de paisagens e do cotidiano de seu povo. A partir de 1640, a exuberância das cores vai dando lugar ao cinza, como a refletir uma mudança de tom na arte como reflexo das mudanças na própria vida. Com efeito, desde as suas primeiras gravuras, já se percebia sua predisposição para expressar seus sentimentos através de seu trabalho, haja vista a inconstância do seu traço e a tradução de suas reações emotivas cravada na obra.

Os retratos, feitos por encomenda, já mostravam a captação não somente da figura física dos modelos; a emoção deles concretizava-se na imagem. Desta forma, Rembrandt não apenas registrou o homem do seu tempo, pobres e ricos, gravou, com tintas e traços, cenas da vida de muitas figuras históricas de sua terra, reproduzindo sempre os mais sutis estados psicológicos, transpondo a simples aparência. Essa capacidade de percepção pode ter sido baseada no autoconhecimento, exercitado nas várias pinturas de sua própria imagem, compondo um verdadeiro percurso de sua peregrinação.

Foi, pois, um pintor de temperamentos humanos, dos estados da alma de seus modelos e de si próprio. Naturalmente realista, não conseguia dissimular a realidade nem seus dramas interiores. Nos tantos auto-retratos que fez, percebem-se claramente as mudanças em suas feições com o passar dos anos, e pode-se perfeitamente vê-los como um registro das fases de sua vida, da juventude explendorosa à velhice decadente, já que neles aparecem: o jovem de sucesso, o rapaz de grande inteligência, o homem imponente e abastado, o velho sereno e resignado, depois carrancudo, como emudecido pelo sofrimento de que a vida não lhe poupou.

Demais verdadeiro em sua arte, nem sempre lhe admiraram o estilo realista e fiel. O mais conhecido episódio refere-se ao quadro “O juramento de Julius Civilis”, pintado em 1661, por encomenda do prefeito de Amsterdã. A obra ficou menos de um ano na parede da prefeitura. Os governantes, como conta sua história, não gostaram de ver um bando de bárbaros em volta de um Julius caolho, quando queriam a eternização de uma cena célebre, em que o rei reunia líderes batavos para fazê-los jurar combater os invasores romanos.
O pintor tecnicamente brilhante, como grande parte dos gênios, não foi um homem prático. O prodigioso talento para a arte conduziu-o a um rico casamento e a uma vida de luxos, mas as tragédias pessoais não tardaram: os dois primeiros filhos morreram crianças, e a mulher também faleceu pouco tempo depois do nascimento do terceiro herdeiro.
Em 1656, então com 50 anos, sem saída para a crise financeira, vendeu sua casa em Amsterdã e quase toda a sua coleção de móveis, obras de arte, jóias, porcelanas, tapeçarias, que comprava quase compulsivamente; até de sua máquina de impressão precisou se desfazer. Endividado e afogado na dor de tantas perdas, como se já de nada fizesse questão, começou a vender seus auto-retratos. Chegou a leiloar praticamente toda a produção artística que tinha em seu poder. Em 1968, veio o golpe fatal: morreram seu filho e sua nova companheira. Um ano depois, fecha os olhos definitivamente e é sepultado em Westerkerk, como um homem anônimo.
A morte, entretanto, não conseguiu apagar o fulgor do prodigioso talento, obscurecido pelas mudanças de gosto na pintura holandesa do final do século XVI. No século seguinte, a reputação de sua obra foi recuperada e garantiu o seu nome como o maior expoente do barroco holandês e um dos maiores pintores do mundo ocidental, que continua a valorizar sua pintura de sombra e luz, seus desenhos de traços leves, milimétricos, seus retratos e auto-retratos sensíveis à introspecção de seus modelos. Estes quatro séculos de histórias contadas e recontadas atestam isso.

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